Jornalismo, políticas públicas e sensacionalismo


‖ ‖ ‖  Aline Cristina Camargo ‖ ‖ ‖

 

A partir de pesquisa realizada com apoio da Fapesp, analisamos 130 matérias que abordaram atos infracionais sofridos ou cometidos por crianças e adolescentes e também a preservação ou o descumprimento de direitos garantidos a este segmento da sociedade.

Com o objetivo de verificar de que maneira se dá a cobertura desta temática, analisamos os jornais Folha de S. Paulo e Agora São Paulo no período de julho a dezembro de 2010. Um dos pontos principais de análise diz respeito às políticas públicas.

Políticas públicas são ações, originalmente realizadas pelo Estado, nas mais diferentes escalas de governo, federal, estadual e municipal, com o objetivo de atender à população.

Cabe ao Estado a proposição de ações preventivas diante de situações de risco à sociedade por meio de políticas públicas, bem como utilizá-las de maneira paleativa ou como possíveis soluções para problemas enfrentados pela população, desde saúde, educação e segurança pública. As políticas públicas também podem ser idealizadas e implementadas por outros setores da sociedade civil, como Ongs, contando com o apoio da iniciativa privada.

Resultados

Apesar de sua grande importância, a cobertura das políticas públicas relacionadas à tematica dos direitos de crianças e adolescentes mostrou-se deficitária na amostra analisada. O caráter difuso da responsabilização política pode estar associado à falta de informações sobre políticas públicas, presentes apenas em 29 matérias (22,3% do total) e discutidas em profundidade somente em 25 reportagens (19,23% do total). Ao enquadrar de maneira insuficiente as políticas públicas sociais, a mídia acaba por enfraquecer sua própria capacidade de agendar temas, fornecer informações e ser controladora social, e enfatiza que a não identificação clara de temas sociais como políticas públicas reforça uma cultura paternalista, como se o Estado prestasse favores e não assegurasse um direito dos cidadãos.

Observamos que quando o tema é abordado nas matérias, a presença do Estado como agente da política pode não estar clara, o que foi observado na reportagem publicada pelo Agora São Paulo no dia 5 de julho: “Esportes na inclusão de jovens”, em que a ação realizada é atribuída ao Instituto Olga Kos de Inclusão Cultural. Apesar de o Instituto ser uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), o que sugere uma participação do Estado, essa relação não é mencionada.

Na Folha de S. Paulo também foi possível encontrar ações de entidades e Ongs, as quais não foram consideradas políticas públicas em razão da ausência de informações do jornal que relacionasse a política a uma ação do Estado, mas indicavam soluções de problemas que envolvem crianças e adolescentes, como a criação de uma ONG que incentiva a adoção tardia e de crianças com deficiências.

A tendência aparece na matéria intitulada “Menino de 8 anos briga com vizinho e é chamado a depor”, também publicada pela Folha em 16 de outubro, em que a Legislação legitima a ação de uma procuradora acusada de notificar garoto de oito anos a prestar depoimento.

No Agora São Paulo as ações do Estado também aparecem relativizadas, como na matéria publicada no dia 23 de agosto intitulada “Alunos especiais lutam por inclusão na rede”, em que o papel do Estado na inclusão de crianças deficientes nas escolas regulares é tida como “desafio” e não obrigatoriedade: “Apesar de todas as escolas da rede municipal serem obrigadas a matricular alunos com qualquer tipo de deficiência, muitas ainda não estão totalmente preparadas para o desafio”.

Outros exemplos

Em outros momentos a presença do Estado sequer é citada, como em “Jovens recebem aula de mecânica”, publicada no dia 12 de julho de 2010 pelo Agora São Paulo, em que não fica clara a ação do Programa Educar, se faz parte do Estado, de uma Ong, ou Oscip: “A Associação Programa Educar trabalha, desde 1996, com a formação técnica profissionalizante de jovens que vivem em situação de risco na cidade de São Paulo”.

A ausência de informações que deixem evidente a ação e participação do Estado na implementação de políticas públicas pode fazer com que os leitores se sintam afastados de questões ligadas à política de uma maneira geral, bem como distantes dos atores sociais responsáveis ou envolvidos pela política. De acordo com Biroli e Miguel (2010, p. 728), a política aparece aos leitores como “um mundo de homens de gravata, diferenciado e distante da gente comum (…), um campo restrito, associado às atividades e competências de determinados atores sociais”.

Ao mesmo tempo em que a mídia pode afastar leitores de temas como a política pública ao abordar a questão como algo distante, o papel inverso, o da visibilidade, também pode ser exercido por ela: “além de consagrar como atores políticos capazes de emitir opinião e participar do debate midiático aqueles que já fazem parte do campo político em sentido estrito, o jornalismo confere visibilidade justamente aos atores que já possuem recursos para se fazer ver” (Biroli e Miguel, 2010, p. 729).

É como se a mídia, além de afastar público e atores sociais, aumentasse a visibilidade de quem já a tem, mas não alcançasse a quem interessa, os leitores. Desta maneira, a mídia deixa transparecer sua relevância política, pelo fato de ser uma instituição com grande impacto para o que os autores (2010) chamam de “construção do mundo simbólico”, a partir do momento em que conferem uma espécie de certificado de importância não só a determinados atores, mas também a temas abordados por estes veículos de comunicação.

Conclusões

A distância entre indivíduos e sistema político juntamente com o sentimento de impotência apontam para o desligamento da população com o assunto, e até mesmo a alienação política.

O papel da mídia aparece principalmente em dois caminhos, primeiro na tentativa de diminuir a suposta alienação do público, com reportagens contextualizadas, por exemplo, mas ao mesmo tempo, o “noticiário jornalístico reforça, pelo insulamento da política em instituições específicas, a impressão de ‘apartamento’ do cidadão comum”, salientam Biroli e Miguel (2010, p. 709).

Ao cidadão comum cabe acompanhar os fatos. De acordo com Biroli e Miguel (2010, p. 730), “isso fica evidenciado pela irrelevância dos depoimentos dos ‘populares’, destinados a cumprir um papel meramente ilustrativo, quando não folclórico, sem que se espere que produzam qualquer colaboração pertinente ao debate que se trava entre os atores políticos legítimos”.

O afastamento do cidadão comum em relação aos fatos e aos atores sociais é esperado pelo fato de que “os políticos, com frequência, utilizam uma forma de expressão diferenciada, que marca sua distinção” ou pelo fato das informações atribuídas a eles aparecerem aos leitores sem contextualizações, dificultando o entendimento e o debate. Neste caso, a intermediação dos jornalistas se torna fundamental para explicar ao público o que está acontecendo, o que nem sempre ocorre, ou não ocorre de maneira clara o suficiente para que uma cobertura jornalística de qualidade.

 

Referência: BIROLI, F. ; MIGUEL, L. F. Visibilidade na mídia e campo político no Brasil. DADOS – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol. 53, n 3, 2010, p. 695 a 735.