Adriana Donini
Alexandre Lopes
Jéssica de Cássia Rossi
Na edição de 16 de maio, o caderno Folhateen, suplemento do jornal Folha de S. Paulo, veiculou reportagem sobre o movimento estudantil brasileiro, enfocando a União Nacional dos Estudantes (UNE). Por meio de uma leitura analítica, destacaremos o enquadramento dado ao tema abordado.
A “União dos estudantes procura… estudantes”, segundo a capa do caderno. Há “poucos em movimento”, de acordo com o título na página interna.
“O movimento estudantil, que levou 200 mil jovens às ruas em 1992 para pedir a saída do presidente Fernando Collor, hoje sofre por… falta de estudantes”, segundo a matéria. “Cerca de 5% dos alunos do país se envolvem com as entidades”.
O jornal sustenta que há baixa adesão ao movimento estudantil e caracteriza os integrantes desses movimentos como pessoas que têm dificuldade em concluir os estudos: “Movimento estudantil é levado adiante por uma minoria que atrasa a formatura em nome da militância”.
“Ligados a partidos que, fora das salas de aula, têm pouca representatividade (como o PC do B e o PSTU), esses jovens levam uma vida diferente da maioria dos colegas. O presidente da UNE, Augusto Chagas, 29, faz faculdade há dez anos. Tarcísio Boaventura, líder dos estudantes de ensino médio de SP, tem 22 e está no cursinho”, segundo o texto. “Clara, aluna de serviço social na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), quer se mudar para São Paulo, sede da Anel. Deve trancar ou transferir o curso. (…) Para Augusto, é obrigação do poder público apoiar os estudantes. Ele deixará de ser líder da UNE neste ano e diz que agora quer se formar-faz sistemas da informação na USP, mas começou a graduação na Unesp. Augusto discorda de que esteja demorando muito para pegar o diploma”.
Outro ponto que o Folhateen salienta está nos recursos recebidos pela UNE e seus dirigentes: “Ambos optaram por atrasar a graduação e depender dos pais para complementar a ajuda de custo recebida (na UNE, cerca de R$ 2.000)”; “A UNE recebe R$ 2,5 milhões do governo federal ao ano, além de R$ 2,7 milhões emitindo carteirinhas (aquelas para pagar meia entrada)”.
Ainda compõe a reportagem uma análise assinada por Ricardo Melo, ex-presidente de centro acadêmico e diretor do Diretório Central dos Estudantes da Universidade de São Paulo e da União Estadual dos Estudantes nas décadas de 1970 e 1980.
“A alma do movimento estudantil do passado era a ausência do dinheiro oficial!”, salienta Melo. Ao longo do relato, é representada a supostamente intensa atuação do movimento estudantil do passado em comparação com a alegada inércia dos militantes atuais.
Apresentam-se dois tipos de movimento estudantil, completamente diferentes: um movimento muito politizado, sem vínculo com qualquer partido político e sem qualquer ajuda financeira, nas discussões e atuações em relação aos diversos problemas educacionais, políticos e sociais; e outro movimento muito acomodado, com vínculo com determinados partidos políticos e com o recebimento de ajuda financeira estatal, nas discussões e atuações em relação aos diversos problemas educacionais, sociais e políticos.
Ricardo Melo finaliza o texto com uma conclusão muito negativa em relação ao movimento estudantil atual. Ele diz que o movimento estudantil é quase “uma repartição pública, não é de estranhar que mobilize cada vez menos gente, embora os problemas das universidades só se façam multiplicar. Do jeito que está, é improvável que a UNE repita seus dias de glória”.
Percebemos que o Folhateen enquadrou a atuação do movimento estudantil contemporâneo como um espaço para a manifestação de interesses particulares, tanto de partidos políticos quanto de poucos estudantes que estariam atuando em causa própria, em detrimento dos interesses gerais dos estudantes, ligados à educação.
Pelo enquadramento do jornal, o que favorece essa forma de atuação é dependência financeira governamental e a ligação a certos partidos políticos. São fatores determinantes que diferenciam o movimento estudantil em “seus dias de glória” e que “hoje sofre por… falta de estudantes”.
Em alguns pontos, percebemos também que o jornal dá voz aos estudantes responsáveis por entidades estudantis, mas utiliza trechos que não desfazem a caracterização negativa que o jornal produziu dos integrantes do movimento estudantil atual. A percepção negativa da participação desses estudantes em entidades como UNE se sobressai.