Uma outra comunicação é possível?


Alessandra Possebon


A comunicação como a entendemos hoje nasce com os ideais da Idade Moderna, que se diferencia da Idade Média essencialmente pela concepção de sujeito autônomo, impulsionada pelos ideais iluministas. Portanto, a comunicação estava vinculada ao ideal revolucionário de ampliação da esfera pública, compreendida como dimensão da vida social em que as pessoas podem manifestar suas ideias livremente.

Emerge então na sociedade moderna a demanda pela informação, pela ampliação do debate público. Partindo desses pressupostos, podemos considerar que a história do jornalismo acompanha a história da sociedade moderna. Ciro Marcondes Filho (2000) chama a primeira fase do jornalismo de jornalismo de Ilustração, com publicações que defendiam causas políticas específicas. A segunda fase pode ser chamada de jornalismo mercantil, que passa a vender informação e tentar diferenciar informação de opinião.

Com a venda de informações o jornalismo caminhou para a criação e ampliação de empresas de comunicação, e o fortalecimento dessas empresas, com o desenvolvimento de tecnologias da informação, remete ao que poderíamos chamar hoje de jornalismo tecnológico, que busca ser multilinguagem e é marcado pelo monopólio das empresas transnacionais.  Analisar esse percurso passa inevitavelmente pelas tentativas de compreensão da sociedade moderna como um todo. Octavio Ianni (2000) coloca que, na modernidade, conceitos clássicos como cidadania, ideologia e sociedade são compreendidos como consumo, mercadoria e mercado, e são estes últimos os crivos do que é disseminado pelos grandes meios de comunicação.

Quando falamos em jornalismo tecnológico, estamos tratando de uma nova esfera representativa que está se construindo com o avanço surpreendente das novas tecnologias. Esta nova perspectiva afeta todas as relações e cria novas formas de compreensão da realidade e das representações. Muniz Sodré (2002) desenvolveu o conceito de bios midiático em que, revisitando as instâncias da vida colocadas por Aristóteles, afirma que há um novo espaço de existência contemporâneo, que possui valores técnicos, sociais e burocráticos próprios e tem como uma de suas características a supervalorização da imagem, fortalecendo os simulacros e criando uma outra esfera pública com ideais diferentes daqueles colocados por Habermas (1984), que intensifica a falsa sensação de democratização do poder e da informação.

De maneira paralela e concomitante, nascem formas de comunicação independentes aos poderes instituídos, é o que John Downing (2002) chama de mídia radical alternativa, que tem como seus argumentos centrais a pluralidade das culturas populares e o diálogo constante entre as culturas de oposição, culturas de massa e culturas populares.

Na busca de um conceito de cultura popular, Downing (2002) problematiza alguns teóricos como Theodor Adorno e Max Horkeimer, autores da Escola de Frankfurt. Adorno, ao rever o conceito de cultura de massa produzida dentro da lógica industrial, desenvolve o conceito de indústria cultural. Downing coloca que a indústria cultural impede a criatividade e limita a construção simbólica para além das classes dominantes.

Ao observamos a abordagem sócio histórica de cultura popular colocada pelos teóricos dos Estudos Culturais (Escola de Birmingham), constata-se que, na busca por trabalhar os conceitos de maneira dialética, que em Stuart Hall (2003) estão inseridos em uma perspectiva diaspórica (compreende as hibridizações inevitáveis entre as culturas, especialmente diante dos processos de deslocamentos marcados pelas migrações e imigrações), há uma superação de conceitos enrijecidos de cultura popular, que a vinculam a uma tradição folclorista, não engajada e limitada dentro de um espaço de tempo e território.

Para Downing (2002), toda forma de mídia influencia de alguma maneira o movimento das sociedades, portanto, o estudo contextualizado da comunicação não pode ignorar as manifestações não vinculadas à grande mídia. Ainda de acordo com o autor, as manifestações artísticas como danças, anedotas, teatro, gravuras, filmes, tatuagens, murais e grafite podem ser compreendidas como mídia radical, tanto quanto o uso de meios mais tradicionais de comunicação como jornais, emissoras de rádio e televisão e internet.

O cenário da comunicação brasileira se demonstra cada vez mais perverso, marcado por monopólios, pelo não respeito aos artigos da Constituição, por guerras claras de poder e pelo uso indevido das informações, em um processo que mais confunde do que esclarece a população. A concepção de uma mídia para além dos grandes grupos transnacionais de comunicação, independentemente de ser chamada alternativa, radical, subalterna, contra-hegemônica ou popular, se caracteriza essencialmente pela crítica e pela manifestação da diversidade e é necessária para a construção de uma sociedade que saiba lidar melhor com a pluralidade de culturas.

Entre os exemplos de mídia alternativa no Brasil, podemos destacar o jornal “Brasil de Fato”, que foi lançado no Fórum Social Mundial de Porto Alegre e há oito anos circula semanalmente com distribuição nacional. O jornal mantém também um website: http://www.brasildefato.com.br/ , que foi atualizado no segundo semestre de 2010.  Outro exemplo é a revista “Caros Amigos”, lançada em 1997 com edições mensais, também de circulação nacional. Assim como o “Brasil de Fato”, a revista mantém um site (http://carosamigos.terra.com.br/) que traz links para os blogs dos articulistas e repórteres.

A internet tem sido muito utilizada pelos movimentos sociais e pelos meios de comunicação alternativa que já existiam em plataformas tradicionais como uma ferramenta de divulgação e de troca de informações que vão além das pautas da grande mídia. Reunindo várias linguagens, o novo site do jornal “Brasil de Fato”, por exemplo, traz além das principais notícias veiculadas no jornal impresso, textos de articulistas, vídeos, charges e podcasts do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC).

Outra possibilidade de uso da internet são as rádios comunitárias, que possibilitam que emissoras de comunidades como a da favela de Santa Marta (www.radiosantamarta.com.br) e de Heliópolis (www.heliopolisfm.com.br) sejam ouvidas pelo mundo inteiro. Além do áudio, no site da rádio Santa Marta é possível acompanhar também em vídeo o trabalho da comunidade.

A possibilidade da convergência de diversas linguagens na internet permite a ampliação dos espaços da mídia alternativa e a criação de redes de trocas de informação como o Centro de Mídia Independente (CMI – www.midiaindependente.org), que depende inteiramente de colaboradores que enviam artigos, vídeos, fotos e áudios.

Ainda que a maioria dos brasileiros não tenha acesso à internet, é imprescindível considerar a relevância do meio digital para a troca de informações. Os movimentos sociais têm criado redes de diálogo no espaço virtual que possibilitam a divulgação dos trabalhos e a ampliação de ações regionais e nacionais.

A democratização da comunicação não se resolve apenas com o acesso à internet, mas é imprescindível considerar a relevância do meio digital para a ampliação das trocas de informações e sua contribuição para a valorização da diversidade e da pluralidade, que são objetivos essenciais da luta por uma sociedade mais igualitária.

Referências

MARCONDES FILHO, Ciro. A Saga dos Cães Perdidos.São Paulo: Hacker editores, 2002.

HABERMAS,Jurgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

IANNI, Octavio. Enigmas da Modernidade Mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

SODRÉ, Muniz. Antropológica do Espelho. Petrópolis: Vozes, 2002.

DOWNING, John. Mídia Radical. São Paulo: Editora SENAC, 2002.

ADORNO, T e HORKHEIMER. M. Indústria Cultural – o esclarecimento como mistificação das massas. In: Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003.


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