Murilo César Soares
Já se sabe que as campanhas eleitorais atuais são mediáticas. Por outro lado, num país grande e complexo como o nosso, a mediatização do processo político é inevitável, o que não acontece sem efeitos colaterais, sendo os principais a desidratação da política e o inchaço do marketing. A eleição presidencial de 2010 – especialmente o segundo turno – ratifica esse diagnóstico. Os assessores dos candidatos se ocupam das campanhas em termos de lances, contra-ataques, manobras diversionistas, ou seja, das questões táticas, de ações no terreno da luta. Questões programáticas, para não dizer ideológicas, inexistem. Foram reduzidas a pechas que cada candidato procura colar ao adversário. Sobre esse assunto, lembra-se que um candidato registrou na justiça eleitoral, como programa de governo, dois discursos pronunciados anteriormente. A outra registrou um programa pela manhã e o trocou à tarde por outro, mais “conveniente”. Depois que os candidatos descobriram que o tema do aborto tem certa relevância para os eleitores cristãos, uma candidata foi fotografada pelos jornais assistindo à missa em Aparecida e o outro passou a mostrar na propaganda pela TV sua foto de primeira comunhão. Ou seja, a eleição no Estado laico se tornou uma competição teológica (ou seria teocrática?)
É verdade que vivemos uma época pós-ideológica, após o fim do comunismo na Europa. Mas isso não quer dizer que orientações ou valores fundamentais das políticas públicas não existam ou não precisem ser declaradas. Do contrário, fica-se no varejo das promessas de fazer isso ou aquilo, procurando superar o adversário em números, apresentando como caução o “fiz isso e fiz aquilo”.
O segundo turno terminou pior que o primeiro, transformado pelas orientações de marqueteiros num bate-boca, com trocas de acusações, como não se via nas campanhas desde os tempos em que Collor foi candidato. Aliás, Merton já tinha observado que as campanhas políticas se fazem através da crítica entre os adversários, de modo que ao final, o resultado é a desvalorização recíproca dos concorrentes e do próprio processo político, levando os eleitores ao ceticismo.
Fora do âmbito da propaganda eleitoral, felizmente, há o jornalismo. Apesar das críticas, especialmente da candidatura do PT, de que a imprensa está a serviço de interesses de grupos conservadores, ela é que tem trazido algum conteúdo ao debate público, investigando, apurando e pondo em evidência as contradições dos candidatos e até mesmo a ausência de temas essenciais nas campanhas. Enquanto isso, a internet – da mesma forma que em 2006 – se tornou um espaço livre e solto para ataques com interesses partidários aos candidatos. Programas, posições? Não peçam isso, porque já é demais.
Por motivos acadêmicos, estudei durante anos as campanhas presidenciais passadas, pela TV, dividindo o seu conteúdo retórico em argumentação (com itens como “análise de problemas nacionais”, “propostas”) e sedução (construção do “personagem do candidato”, “conflito”). Ou seja, reconhecemos que as campanhas não são apenas feitas de razão, mas, também envolvem emoção, devendo-se buscar um equilíbrio entre ambos. O que transparece cada vez mais nas campanhas é que não apenas os elementos de sedução emocional estão suplantando os argumentos racionais, mas que os “objetivos de marketing” de curto prazo (leia-se, votos !) estão determinando a propaganda e os debates entre os candidatos.
Os cidadãos brasileiros reconquistaram seus direitos políticos com a Constituição de 1988. Mas ainda não há qualidade na propaganda e no debate político, frustrando o exercício pleno daqueles direitos. Neste observatório de mídia e cidadania é obrigatório apontar que a entrega das campanhas aos marqueteiros está roubando aos eleitores a cidadania política, ao subtrair do processo eleitoral a discussão genuína e ampla sobre temas, substituindo-a por slogans, simplificações, banalidades e pela repetição até a náusea de acusações e promessas duvidosas. A sociedade perde, com isso, a oportunidade de construir um espaço público genuíno, uma aprendizagem política que propicie um posicionamento informado e autêntico.