Jéssica de Cássia Rossi
As teorias do jornalismo e da notícia refletem sobre o papel do jornalismo em sociedade, o papel dos jornalistas na produção de notícias e por que as notícias são como são. A partir delas, é possível entendermos como as notícias influenciam a visão das pessoas sobre a realidade. Tendo isso em vista, utilizamos a metodologia da Análise do Discurso Francesa para analisar como os discursos da matéria “Porque Marina veio para ficar”, de Malu Gaspar e Ronaldo Soares, da revista Veja, no dia 13/10/2010, constrói representações de Marina Silva. Para a análise do discurso, cada ator ou grupo produz seu discurso a partir da posição ideológica que ocupa em sociedade. Dessa forma, essa metodologia identifica as formações discursivas presentes em uma enunciação que revelam as formações ideológicas, ou seja, os valores ideológicos de um ator ou grupo no jogo de forças sociais. Nossa análise é formada por um quadro de formações discursivas em que cada uma delas aponta os principais sentidos existentes nas enunciações da revista Veja:
1. Forças políticas: nas sociedades democráticas o cenário político é composto, principalmente, por dois partidos ou forças políticas mais expressivos. No cenário político brasileiro, predomina também a divisão de forças em que os diversos atores sociais tendem a apoiar um lado ou outro. No caso da revista Veja, ao longo de sua trajetória, sempre apresentou posicionamentos conservadores. Nas eleições de 2010, o candidato à Presidência da República José Serra, do PSDB, é o representante dessa força política que a revista defende. Por outro lado, a revista é contrária à candidata Dilma Rousseff, PT. Os discursos da revista se concentram nessas duas forças políticas. Entretanto, após a expressividade dos votos de Marina Silva, no 1º turno das eleições 2010, a Veja tenta explicar a situação a partir da formação ideológica e discursiva:
A) Direta versus esquerda: a candidata Marina Silva, do Partido Verde (PV), não representaria a direita e nem a esquerda política brasileira. Por isso, a Veja tenta explicar como uma candidata que não teria tanta força na política nacional conseguiu ganhar destaque no cenário político. Dessa forma, a revista sustenta que boa parte dos votos de Marina Silva veio de eleitores da candidata do PT. Essa migração dos votos é justificada por Veja em trechos como: “Na verdade, o maior impulso de sua candidatura veio, de um lado, dos brasileiros desiludidos com o PT e, de outro, de eleitores evangélicos”. A publicação não admite que parte desses votos poderia ter vindo de eleitores do candidato José Serra. Na verdade, a revista defende que a maior parte dos votos poderá ir para o candidato José Serra, em trechos como: “Por isso mesmo, existe um consenso de que esses eleitores estariam mais propensos a votar em Serra”. Percebemos que a revista não admite que os votos de Marina Silva poderiam ir para a candidata do PT. Dentro do tradicional cenário político brasileiro, Marina Silva é apresentada pela revista Veja apenas como um agente catalisador temporário de votos para Serra.
B) Coalizões entre partidos: é comum existir nas sociedades democráticas a coalizão de partidos políticos durante um governo. É uma estratégia política que dá forças para os partidos conseguirem que suas propostas sejam aprovadas no Legislativo. No contexto brasileiro, tal situação vem ocorrendo nos últimos governos. Com base nisso, a revista Veja diz que Marina Silva e o PV só conseguirão ter suas ideias aprovadas se fizerem coalizão com outros partidos. Para confirmar esse posicionamento, a Veja apresenta enunciados como: “O dilema que hoje assombra Marina Silva, sobre como e com quem aliar-se, é o mesmo vivido por lideranças internacionais verdes que, a certa altura, também ganharam relevo político”. A revista Veja cobra um posicionamento de Marina Silva e dá sinais de que o PV irá se aliar a Serra, em trechos como: “ O PV tende a apoiar Serra (…)”. Desse modo, a revista constrói um posicionamento ideológico-discursivo que sugere que Marina Silva deve apoiar Serra para que consiga manter-se no tradicional cenário político.
2 Ambientalismo/sustentabilidade: no decorrer das últimas décadas, o crescente consumo do sistema capitalista despertou reflexões sobre os recursos naturais existentes frente a essa demanda. Muitos atores sociais passaram a atentar para a finitude desses recursos e a necessidade de mudanças no capitalismo. A partir disso, surgiu uma série de idéias e valores sob a bandeira da sustentabilidade, que acredita que é possível a prática do consumo consciente. Nessa corrente, estão Marina Silva e o PV, com um histórico de luta em defesa ao meio ambiente.
A) A causa ambiental no cenário político brasileiro: apesar da importância da preservação da natureza, a revista Veja acredita que a defesa dessa causa não é suficiente para emergir uma nova força no cenário político brasileiro. Para a revista, a causa deve estar em conjunto com outras propostas conforme exemplifica com o que aconteceu na Alemanha: “O caso da Alemanha é emblemático, já que em nenhum outro lugar os verdes chegaram tão longe”. Por esses discursos, a Veja constrói o sentido de que atuação política de Marina Silva e do PV só continuará existindo se a questão ambiental for incorporada pelo cenário político tradicional. A publicação aponta que ambos os candidatos, ao 2º turno das eleições 2010, já até incorporaram a causa ambiental em seus programas de governo como em trechos como: “(…) a campanha petista decidiu anunciar, nesta semana, a inclusão de metas ambientais (…) Serra, por sua vez, veio a público declarar-se ambientalista (…)”. Essa incorporação constrói o sentido de que a causa ambiental é apenas um tema que passou a fazer parte do discurso dos candidatos. A revista subestima a causa verde como mais uma proposta política que os candidatos adotaram. Dessa forma, a revista Veja direciona o tratamento da questão ambiental para a velha estrutura política brasileira existente.
Frente ao exposto, acreditamos que a revista Veja constrói a representação de que a expressividade de Marina Silva nas eleições 2010 irá continuar somente se ela se aliar à uma força política tradicional. A Veja não admite que a força política que Marina Silva alcançou possa ser uma força consistente adquirida por sua atuação política, pelo partido que representa e pelas idéias que defende. Para a revista, essa força é apenas temporária e se concretizou devido a um descontentamento de eleitores do PT, ao qual a revista é contra, e não de eleitores do PSDB, que a revista apóia. Ela constrói posicionamentos ideológicos-dicursivos de que ao final das eleições os votos de Marina Silva irão para José Serra. E, além disso, cobra de Marina Silva um posicionamento político a favor de José Serra, assim como parecia estar ocorrendo como seu partido, o PV. Pelas enunciações, a força política de Marina Silva e a defesa de medidas ambientais só continuarão existindo se houver uma aliança política dela com outros partidos. Na visão da Veja, se isso ocorrer, Marina Silva e a defesa da causa verde serão apenas mais um item a ser incorporado pelas velhas forças políticas brasileiras, melhor ainda se entre elas estiver a que a revista apóia.