Cresce assédio a jornalistas na rede


‖ ‖ ‖ Kárita Sena ‖ ‖ ‖ 

 

A falta de segurança ameaça a categoria profissional dos jornalistas de novas maneiras. A International Federation of Journalists (IFJ) revelou em relatório que 95 profissionais de mídia morreram no mundo só em 2018, treze a mais que em 2017. Mas outro perigo que vem ameaçando a categoria e a liberdade de imprensa está mais perto do que muita gente imagina: o assédio a jornalistas na internet.

Com foco nesse tipo de perigo, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) lançou a cartilha “Como lidar com assédio contra jornalistas nas redes”. O documento indica que os ataques têm crescido no mundo todo, provocando transtornos e danos que impactam a saúde e o cotidiano dos profissionais, gerando intimidações que colocam em risco tanto a integridade de jornalistas quanto de direitos democráticos.

“Já não se pode pensar na segurança de jornalistas como questão restrita às zonas de conflito. Nos últimos anos, o ambiente digital tem se tornado um espaço de disputas de narrativas, onde se alastram comportamentos extremos de quem ainda considera a internet uma terra sem lei”, constata o documento.

Em março deste ano, como torcedor de um time de futebol, Luís Pimenta Junior disse ter se arrependido após uma série de ofensas e xingamentos que desferiu pelo Twitter à repórter Gabriela Moreira, hoje uma das diretoras da Abraji. Essa não foi a primeira vez que Gabriela foi alvo de ataques na rede. Após uma reportagem investigativa em 2017 para a ESPN que revelou um esquema de espionagem entre times rivais, a repórter passou a sofrer ataques de torcedores e ofensas sexistas, e chegou a ser chacoalhada e apertada. O advogado do time chegou a disparar ofensas contra a jornalista em entrevista ao vivo sobre o caso.

O dano emocional dos ataques alcançou o filho de Gabriela, um garoto de oito anos que chegou a temer torcedores gremistas. “Cerca de uma semana depois da reportagem, enquanto caminhávamos num shopping, ele parou e disse: ‘Mãe, volta, tem um cara ali com a camisa do Grêmio’. Eu disse que não tinha problema, mas confesso que achei que pudesse apanhar, dado o nível dos ataques que vinha sofrendo na internet”, testemunhou a repórter no relatório.

Se as disputas de futebol podem gerar ataques e ofensas, a polarização política e discriminações de todo tipo também fazem parte do largo rol de ameaças na rede a profissionais que lidam com a notícia, numa clara ameaça à liberdade de imprensa. Em março deste ano, a jornalista Constança Rezende, do jornal O Estado de São Paulo, recebeu pelo Twitter uma série de desqualificações do seu trabalho baseadas em informações falsas, com o objetivo de intimidá-la e ao veículo em torno da cobertura de movimentações suspeitas de Fabrício Queiroz.

Uma das mensagens partiu do presidente da República, Jair Bolsonaro. A Abraji e outras organizações manifestaram repúdio à atitude do presidente. “Isso mostra não apenas descompromisso com a veracidade dos fatos, o que em si já seria grave, mas também o uso de sua posição de poder para tentar intimidar veículos de mídia e jornalistas”, destacou a associação em seu site oficial.

Na cartilha, a Abraji entende que tais acontecimentos contribuem para uma desconfiança geral na imprensa, o que não é saudável para a democracia. A jornalista e youtuber Maíra Azevedo, vítima de racismo na rede, diz que o ambiente possibilita que as pessoas assumam o seu lado mais perverso, mas que é preciso seguir em frente. “Além de ter sido chamada de macaca, já fui ameaçada de morte. Você se sente coagida, mas não impedida de seguir em frente. Pelo contrário, me sinto na obrigação de continuar fazendo o meu trabalho”.

Entre as dicas da planilha, estão iniciativas para controle de dados pessoais, sondagem de cenários e planejamento de ações reativas.