Jéssica de Cássia Rossi
Adriana Donini
A 15ª edição da Conferência do Clima, denominada COP- 15, foi realizada no período de 7 a 18 de dezembro de 2009, em Copenhague, na Dinamarca. A meta inicial era criar um novo acordo global para o clima, que definisse a redução de gases de efeito estufa após 2012, quando termina o primeiro período de compromisso do Protocolo de Kyoto. A COP-15 também tinha como objetivo estabelecer compromissos não obrigatórios de redução de emissões para os países em desenvolvimento, respeitando o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.
O encontro foi bastante criticado pela mídia pelo fato de não conseguir estabelecer um documento legal. O evento contou com a cobertura de diversos meios de comunicação, entre eles os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, que apresentaram reportagens durante todo o período de duração da COP-15.
Analisamos como se deu o enquadramento da cobertura dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, nas edições do dia 19 de dezembro, ou seja, referente ao encerramento da COP-15. Para tal, consideramos, principalmente, as fontes utilizadas, a categorização do fato em relação ao evento e ao acordo, e o discurso.
O enquadramento ou framing é uma metodologia que permite identificar formas de abordagem e interpretações nos diversos temas tratados pela mídia. Enquadrar significa selecionar alguns aspectos e salientá-los de maneira que seja promovida uma definição particular do problema, uma interpretação causal, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento para o item descrito.
No caso do O Estado de S. Paulo, a reportagem ocupou pouco mais de uma página do Caderno “Vida &” (seção Clima em Debate) e o título principal utilizado foi “Conferência do Clima fracassa; acordo não tem metas obrigatórias”. O discurso de insatisfação ficou evidente em diversos trechos como “a cúpula das Nações Unidas em Copenhague pode ser considerada um fracasso” e “o cenário do fracasso começou a se desenhar na noite de quinta-feira”.
Em relação às fontes, foram utilizados predominantemente trechos de depoimentos de líderes como os presidentes do Brasil, da França, dos Estados Unidos e outros ligados a órgãos oficiais como o embaixador brasileiro Sérgio Serra e o secretário do Conselho Global de Energia Eólica, Steve Sawyer. Foi citada a opinião de apenas um representante de uma organização não governamental, John Lanchberry, da Birdlife International.
Quanto às expressões utilizadas em relação ao evento e ao acordo climático, no primeiro caso, encontramos: “maior reunião diplomática da história”; “reunião”; “cúpula das Nações Unidas”. Já em relação ao resultado, foram utilizados os termos: “acordo pífio”, “documento”, “acordo político”, “tratado climático ambicioso”, “acordo climático”, “Acordo de Copenhague” e apenas “acordo”.
O jornal também publicou a seção “Perguntas e respostas” para tentar explicar alguns pontos referentes à COP-15 e seus resultados. Com o título “Obama nega metas vinculantes”, também foi reservado um espaço da reportagem para expor a opinião de Obama sobre o que foi definido, entre as citações atribuídas ao presidente norte-americano, estiveram “é ‘um avanço sem precedentes e significativo’ porém ‘insuficiente’”.
Ainda na página principal foi utilizada apenas uma foto, a qual mostra alguns líderes e possui a seguinte legenda: “Esforço final – Líderes mundiais na reunião que decidiu pacto”, na qual, entre outras pessoas, está o presidente Obama, mas Lula não aparece na imagem publicada.
Caderno “Ciência”
Já no jornal Folha de S. Paulo, analisamos a reportagem referente à COP-15 publicada na seção “Copenhague 2009”, no caderno “Ciência”, que teve como título principal “Cúpula acaba sem metas de cortes de C02”. As fontes foram, na maioria, oficiais/oficiosas com declarações de líderes de países importantes, de representantes de ONGs e do jornal britânico The Independent. O jornal destinou mais espaço a esse assunto no dia 19 de dezembro se comparado ao O Estado, ocupando uma página e meia.
Sobre o discurso do veículo, a Folha aponta o alegado fracasso da conferência e o desentendimento dos líderes, utilizando expressões negativas. Vale destacar que a ênfase sobre os supostos embates e desentendimentos na Conferência é um acontecimento que tem maior valor de noticiabilidade que outros. Por isso, a Folha pode ter usado o enquadramento de conflito para apresentar a COP-15 como um fracasso.
Para se referir ao evento, o jornal utilizou expressões como: “principal encontro sobre o clima deste século”, “COP-15”, “Conferência do Clima”, “reunião internacional mais importante deste século”, “série de reuniões”, “apoteose”, “Conferência de Copenhague”, “fiasco de Copenhague”, “crime climático”, “fracasso da cúpula do clima”, “mafaldada Conferência da ONU”, “evento”, “convenção da ONU” e “conferência que deveria ser histórica”. Já para se referir ao acordo, o jornal utilizou os seguintes termos: “acordo tímido”, “pífia declaração política”, “acordo de Copenhague”, “acordo político”, “decisão da COP”, “um acordo legalmente vinculante”, “empacotamento de velhas posições travestidas de novas”, “o que poderia ser o acordo do século”.
Ademais, o jornal enfoca os conflitos entre China e EUA mediados pelo presidente Lula. Na interpretação do jornal, o comportamento dos dois países foi considerado irresponsável, já que ambos não quiseram cooperar com um acordo multilateral. Em contraposição, a mediação do conflito pelo presidente brasileiro foi considerada positiva, uma vez que ele, segundo a Folha, atentou para a importância de negociação do acordo entre os países. Ao final da reportagem, a Folha apresenta declarações de representantes de ONGs e de líderes oposicionistas como Hugo Chávez e Fidel Castro para confirmar o suposto desastre ocorrido em Copenhague.
Quanto à parte visual, a Folha explorou mais esse recurso, publicando quatro fotos e um gráfico, que dialogam e reforçam o que é trabalhado no discurso da reportagem: a insatisfação geral da reunião (foto de ativistas em destaque); a ressaca provocada pelo encontro (uma foto de jornalistas aparentemente cansados e outra com a seguinte legenda “Delegado dorme durante pausa nas reuniões da conferência”; a grande mediação do presidente Lula (foto de Lula em destaque no plenário); e acordos alternativos entre países (gráfico do acordo entre alguns países). Pelo discurso apresentado pela Folha, a impressão que se tem é que a reunião se transformou em insatisfação geral e ressaca, e o sucesso teria se concentrado no papel do presidente brasileiro.
Assim, pudemos constatar que a COP-15 foi enquadrada pelos dois jornais como um fracasso. Para tal, os periódicos se valeram de discursos e imagens que sustentaram o tipo de abordagem pretendida.