Para publicidade infantil, a criança é a alma do negócio


‖ ‖ ‖  Emanuelly Falqueto ‖ ‖ ‖ 

 

Os novos dispositivos de informação e comunicação estão presentes nas nossas vidas e não atingem apenas o mundo dos adultos. A infância também fica mais high tech. Convivendo cada vez mais com os veículos de comunicação e suas mensagens, cercada por telas as crianças ficam sujeitas à publicidade, em especial a elaborada para atingi-las. Basta ligar a televisão em algum programa infantil e nos intervalos aparecerão jingles e cores na publicidade de mais algum brinquedo ou objeto voltado para o público infantil. Usando os verbos no imperativo e outras técnicas do repertório publicitário, acaba-se ordenando e sustentando a necessidade de adquirir aquele produto, seja para distinção social, sentimento de pertencimento ao grupo dos “descolados” ou realização pessoal.

Com objetivo de regular a publicidade infantil, em 4 de abril de 2014 foi publicada, no Diário Oficial da União, a Resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que considera abusiva a publicidade e comunicação mercadológica dirigida à criança que utilize “linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores; trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança; representação da criança; pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil; personagens ou apresentadores infantis; desenho animado ou de animação; bonecos ou similares; promoção ou distribuição de brindes colecionáveis ou com apelo infantil; e, promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil” (incisos I a IX do Artigo 2 da Resolução 163).

Uma das fontes para saber mais sobre o assunto é o documentário “Criança, a alma do negócio”, que conta com depoimentos de especialistas do Instituto Alana, dedicado à proteção da infância.

Chama a atenção logo no início do documentário uma dinâmica realizada com crianças. A psicóloga que conduz o trabalho coloca dois papéis com as opções ‘brincar’ e ‘comprar’. As crianças jogam as mãos sobre a opção ‘comprar’. Um dos participantes pergunta: “Ninguém gosta de brincar?”. Assim, o documentário vai comentando a infância que sofre com o consumismo e é cercada pela publicidade.

Uma das personagens, uma criança, coloca todos os sapatos que tem em cima da cama e a contagem dá 33 pares. Segue o depoimento de uma mãe falando do sacrifício financeiro para comprar o brinquedo para a filha e rapidamente a menina se desinteressou pelo objeto. A Resolução 163, aprovada 6 anos após o lançamento do documentário, diz que um dos princípios aplicados a comunicação mercadológica voltada para o adolescente é “não permitir que a influência do anúncio leve o adolescente a constranger seus responsáveis (…)” (trecho do inciso III, artigo 3, Resolução 163), obrigando-os a comprar certos produtos ou serviços.

No mesmo artigo, 3, a resolução determina que a propaganda não poderá, mesmo que implicitamente, fazer com que a criança sinta-se inferior por não poder consumir o produto ou serviço. A questão é tratada pelo documentário. A criança é levada a sentir-se incluída quando consome.

Em nota pública, a Associação Brasileira de Empresas de Radiodifusão e Televisão (Abert) e outras associações repudiaram a Resolução 163, afirmando que “reconhecem o Poder Legislativo, exercido pelo Congresso Nacional, como o único foro com legitimidade constitucional para legislar sobre publicidade comercial”. Contudo, a resolução retoma várias normas como o Código de Defesa do Consumidor e o artigo 227 da Constituição Federal.

Os cidadãos podem fazer sua parte.  O Projeto Prioridade Absoluta, do Instituto Alana, orienta: “além de demonstrar sua indignação diretamente aos perfis das empresas em redes sociais, as publicidades infantis devem ser denunciadas aos órgãos competentes do Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, como o Ministério da Justiça, os Procons, o Ministério Público e a Defensoria Pública”.