‖ ‖ ‖ Ana Cristina Consalter Amôr ‖ ‖ ‖
“Junho” é o título do documentário recém-lançado sobre as manifestações ocorridas a partir de junho de 2013 nas regiões metropolitanas do país contra o aumento do custo do transporte público.
O filme foi para os cinemas e para o catálogo do iTunes em junho deste ano. A produção é da Folha de S. Paulo, com direção de João Wainer e imagens dos protestos colhidas pela TV Folha.
Parte das manifestações foi organizada através das redes sociais, tendo como precursores os membros do Movimento Passe Livre (MPL).
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, cogitou o aumento das tarifas na campanha eleitoral de 2012, argumentando que o reajuste ainda estaria abaixo da inflação. Facilitou, assim, a preparação para os atos.
Mas o processo que desaguou no mês de junho teve origem dez anos antes, quando jovens se revoltaram com o aumento das passagens em Salvador, onde começou a tomar forma o MPL (que se consolidaria, mais tarde, em 2005, durante o Fórum Mundial de Porto Alegre).
É, assim, com o histórico do MPL, narrado pela integrante Nina Campelo e com um breve retrato do caos enfrentado pelos usuários no sistema público de transporte em São Paulo, que começa o documentário.
“Junho” destaca pela riqueza em imagens e pela pluralidade de depoimentos de protagonistas, jornalistas, intelectuais (filósofos, cientistas políticos, historiadores) e políticos. A produção é didática. A narrativa segue um roteiro cronológico, com a apresentação dos fatos e seus desdobramentos dia a dia.
As imagens, que podem ser consideradas raras, tendo em vista a dificuldade dos veículos de grande mídia para se infiltrar nas manifestações, enriquecem a edição, que ora apresenta os acontecimentos nas ruas, ora esclarece os fatos sob crítica de várias personalidades.
Para a repórter da TV Folha Giuliana Vallone, ferida no olho por uma bala de borracha, o movimento tinha composição heterogênea e agia pacificamente, mas havia também uma pequena parcela que buscava o confronto com a polícia.
Em São Paulo, os protestos começaram em 2 de junho de 2013, mas se tornaram intensos, de fato, em 6 de junho. Em 13 de junho, as ruas da cidade se transformaram num campo de batalha, onde foram protagonizadas cenas de vandalismo, truculência policial e destruição de patrimônio.
Em 17 de junho, a cidade do Rio de Janeiro também foi palco de uma passeata com mais de 100 mil pessoas que protestaram contra os gastos para a Copa do Mundo e a Copa das Confederações. No final do ato, um grupo infiltrado de manifestantes radicais promoveu uma pancadaria. Muitos locais foram invadidos e depredados. O ato constituiu-se no cartão de visita dos chamados black blocs no cenário das manifestações.
Depredação e truculência
Ao comentar a tática black bloc, um dos entrevistados, Marcos Nobre, levanta uma questão importante que poderia ser mais explorada pela narrativa acerca da legitimidade das ações: “o que seria mais legítimo: a violência contra a pessoa, que é cometida pela polícia ou a depredação da propriedade pública ou privada”?
Policiais analisam as dificuldades em identificar lideranças para estabelecer diálogo e a violência contra a própria polícia. Em contrapartida, manifestantes afirmam sofrer excessos. Algumas pessoas, inclusive jornalistas, foram detidas por carregar vinagre para minimizar os efeitos do gás lacrimogêneo. O tenente-coronel da Polícia Militar Marcelo Pignatari sustenta que as condutas excessivas foram isoladas.
Para o MPL, as ações policiais tiveram a intenção de fazer o movimento recuar. Mas para o jornalista Gilberto Dimenstein, assim como é nítido o despreparo da máquina pública em outras áreas, com a polícia não seria diferente. “O problema é que desta vez ela (a Polícia Militar) estava sendo filmada”.
A atuação da mídia também dividiu opiniões. Para Bruno Tortura (Mídia Ninja), a mídia teve papel fundamental nas manifestações, mas também demandou mais violência ao cobrar atitude mais ofensiva da polícia. Mas na visão de Demétrio Magnoli, a mídia simplesmente caminhou com a opinião pública.
Sobre este assunto, o Grupo Folha se dispõe a fazer uma autocrítica. O documentário surpreende por abordar a conduta da Folha, que também teria feito coro às promessas de repressão do Estado.
O poder de mobilização das redes sociais e o poder articulador das novas mídias, o jornalismo cidadão e os desdobramentos de pautas também foram avaliados pelos entrevistados no documentário. Embora tenham servido de combustível para os protestos, outros temas e lutas paralelas teriam reduzido o número de manifestantes e gerado choques ideológicos.