‖ ‖ ‖ Laís Modelli ‖ ‖ ‖
Construir um mapa colaborativo para apontar a violência sexual contra a mulher no Brasil a partir do relato de testemunhas e da própria vítima é a proposta do Chega de Fiu Fiu, uma ferramenta on-line que pretende mapear locais públicos em cidades brasileiras em que acontecem várias formas de assédio sexual contra mulheres.
Serviços públicos, como o 180 e a Secretaria de Políticas para as Mulheres, já realizam o trabalho de coleta desses depoimentos. Mas o Chega de Fiu fiu é uma ferramenta on-line aberta e colaborativa de denúncia, em que tanto a mulher que sofreu a agressão, que pode ir desde uma “passada de mão” até ter que ouvir o famoso “gostosa!”, como uma testemunha, homem ou mulher, podem deixar seu relato na página da campanha.
O site é simples e de fácil navegação. Logo na página inicial, os botões ‘compartilhe sua história’ e ‘denuncie o que viu’ direcionam o usuário. Para compartilhar ou denunciar, é preciso informar o endereço (cidade, rua e número) e a data em que aconteceu o assédio, marcando lugar do ocorrido no mapa. Apesar de a denúncia poder ser anônima (apenas clicando na opção ‘desejo publicar como anônimo’), é obrigatório deixar nome e e-mail pessoais. Informações como descrição do ocorrido, tipo de assédio e informações socioeconômicas de quem denuncia não precisam ser relatadas, mas a campanha estimula que sejam dadas para que a ferramenta possa chegar em resultados mais específicos sobre o problema.
Se o usuário apenas quiser consultar o mapa, é possível pesquisar por região. Em Bauru, por exemplo, existem seis relatos, abrangendo principalmente regiões habitadas por universitários. Ao reunir os vários relatos de uma área, é possível identificar como o assédio ali tem acontecido, qual a frequência e até fatores facilitadores como ausência de iluminação adequada.
A iniciativa das criadoras do Chega de Fiu Fiu, a jornalista Juliana de Faria e a socióloga Bárbara Castro, vai além do mapeamento. Elas nos fazem pensar em como não quantificamos e qualificamos casos de violência contra a mulher no Brasil, nem em reportagens na mídia e nem nas pesquisas acadêmicas, principalmente quando consideramos aceitável o tipo de violência, a exemplo de uma cantada recebida na rua. O próprio Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontou na audiência pública conjunta das Comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa e de Assuntos Sociais do Senado a falta de dados para orientar a formulação de políticas públicas. Violência de gênero acontece o tempo todo, a qualquer hora e não somente em terrenos baldios ou construções abandonadas na madrugada.
Mesmo que algumas manifestações em blogs e redes sociais tenham sustentado absurdos como “as feministas querem acabar com a paquera”, denuncie.
Denuncie onde puder: no Chega de Fiu Fiu e, como o próprio site da campanha ressalta, nós órgãos oficiais Delegacias de Defesa da Mulher, no telefone 180 e nas Secretarias de Políticas para Mulheres (ouvidoria@spm.gov.br e spmulheres@spmulheres.gov.br). Afinal, o mapa colaborativo não substitui as denúncias oficiais. Porque ser obrigada a ouvir grosserias nas ruas quase que todos os dias sobre a sua condição de gênero não é normal. Não é porque somos belas. É porque a sociedade é patriarcal e porque não somos, de fato, livres por onde circulamos. Chega de fiu fiu.