América Latina avança na regulamentação da radiodifusão


‖ ‖ ‖ Deborah Cunha Teodoro ‖ ‖ ‖

 

Na toada da redemocratização de alguns países latino-americanos, depois do período político de exceção no qual emergiram as legislações pertinentes à radiodifusão, o setor resplandece com novas regulamentações em Estados vizinhos como Venezuela, Uruguai Argentina e Bolívia. Consideradas estratégicas para o amadurecimento e a consolidação de uma democracia, as comunicações venezuelanas ganharam força com a ascensão de Hugo Chávez ao poder, aprovando a Lei Orgânica de Telecomunicações no ano 2000. Cinco anos mais tarde, entrou em vigência a Lei Resorte (Ley de Responsabilidad Social em Rádio y Televisión), que estabelecia como grande avanço as cotas e os programas de fomento à produção nacional e independente. A norma sofreu alterações em 2010 e esta reformulação deu lugar à atual Ley de Responsabilidad Social em Radio, Televisión y Medios Electrónicos, desagradando as entidades privadas de comunicação, que alegaram atentado à liberdade de expressão.

Radiodifusão comunitária

Embora a radiodifusão do Uruguai ainda seja regida por uma lei e um decreto da época da ditadura, o país aprovou, em 2007, a lei da radiodifusão comunitária, considerada uma das mais avançadas do mundo, já que determina a divisão equitativa e transparente do espectro, a fim de promover a pluralidade e a diversidade de acesso. Portanto, um terço das frequências de cada banda e localidade deve ser destinado a cada um dos serviços de comunicação, divididos em comerciais, públicos e comunitários.

Contando com vontade política e amplo engajamento da sociedade civil, foi aprovada na Argentina, em 2009, a revolucionária Ley de Medios (Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual), que trouxe avanços alinhados às aspirações populares, aumentando a possibilidade de acesso democrático às concessões de radiodifusão, o que modifica o mapa dos meios locais, e prevendo a implantação de políticas públicas de barateamento e universalização das tecnologias de informação e comunicação. Para fiscalizar a Ley de Medios, foi criada a Afsca (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual), com a incumbência de melhorar a qualidade técnica dos serviços, assim como propiciar a igualdade de acesso e a pluralidade de informações.

Considerada atividade imprescindível ao desenvolvimento sociocultural do país, a comunicação audiovisual também ganhou uma nova norma na Bolívia, em 2011, com a aprovação da Ley general de telecomunicaciones, tecnologias de información y comunicación, que fortalece os instrumentos legais do poder público para supervisionar as comunicações. A lei assegura ao Estado a gestão do espectro eletromagnético, estabelece um marco regulatório para a propriedade privada de rádio e televisão, rateia as frequências entre os setores público, comercial e comunitário, além de contemplar características socioculturais da população, ao reservar espaço radioelétrico às minorias, como indígenas, camponeses e comunidades interculturais e afrobolivianas.

Atraso brasileiro

Enquanto alguns países da América Latina reformularam suas leis, tornado-as mais democráticas, nota-se que ainda são tímidas as iniciativas brasileiras no sentido de atualizar a legislação relacionada à radiodifusão. Apesar de ter iniciado o debate sobre um novo marco regulatório há cinco anos, não foram tomadas medidas efetivas para fortalecer os sistemas de comunicação não comerciais e ampliar as estruturas de gestão, acesso e participação da sociedade no espectro eletromagnético do país.

Diante deste panorama e preocupados com a responsabilidade social da mídia que, entre outros objetivos, visa a transmitir informação bem apurada e qualificada ao público, alguns prestadores de serviço audiovisual elaboraram iniciativas de autorregulação. Foram os casos da TV Cultura, EBC (Empresa Brasil de Comunicação) e Organizações Globo, por exemplo.

Pertencente à Fundação Padre Anchieta, criada pelo governo do estado de São Paulo, em 1967, a TV Cultura possui um conselho curador, que deve zelar por suas finalidades sociais. Tal órgão também foi instituído pela lei de criação da EBC, em 2008. O conselho curador é responsável por acompanhar a programação e fiscalizar o cumprimento dos estatutos da empresa como forma de prestar contas e demonstrar transparência na relação com os telespectadores. Desde 2009, a EBC conta ainda com uma ouvidoria em plena atividade, promovendo um canal de comunicação direto com os usuários de seus canais no que tange ao recebimento, registro e busca de respostas às reclamações, críticas, sugestões e aos pedidos de informação. Além disso, a Empresa Brasil de Comunicação lançou, neste ano, seu Manual de Jornalismo, reafirmando o compromisso de informar “somente a verdade” aos cidadãos.

Também empenhadas em ressaltar a importância da informação de qualidade em sua programação, as Organizações Globo lançaram, em 2011, seu guia de princípios editoriais, que prega a isenção, correção e agilidade na busca pela notícia, além de apontar os atributos que os jornalistas devem preencher para atuar em seus veículos de comunicação e a conduta a ser seguida ao lidar com as fontes, o público e os colegas de profissão. O texto do documento corrobora que o sucesso de suas empresas jornalísticas é uma extensão do “bom jornalismo” praticado em seus canais.

Segundo os estudos sobre mídia da Unesco, a autorregulação é uma combinação de padrões e códigos de práticas adequadas que apoiam a liberdade de expressão e balizam o monitoramento, a análise criteriosa e a responsabilização dos meios de comunicação, preservando sua independência em relação à possível interferência política de governos. Tal ferramenta pode se mostrar mais eficiente do que uma regulamentação governamental, ainda que as empresas do setor utilizem-na muito mais para atender a seus próprios interesses do que aos do público.