Cotas raciais e julgamento no STF


‖ ‖ ‖ Alexandre Lopes e Jéssica de Cássia Rossi ‖ ‖ ‖


A cidadania é um conceito ligado aos direitos e deveres de um indivíduo em uma sociedade democrática. O conceito surgiu na Grécia Antiga para designar os direitos políticos do cidadão. Ao longo da história, o termo foi adquirindo novas significações até chegar à noção que conhecemos hoje. Em diversos períodos históricos, o exercício da cidadania ficou em suspenso. No século 20, no Brasil, ela ganhou força principalmente após a redemocratização política. Nesse contexto, diversos segmentos e grupos raciais da sociedade brasileira passaram a reivindicar uma série de direitos que não eram reconhecidos pelo Estado.

Entre eles, destaca-se o acesso da população negra e parda à educação de nível superior. Historicamente, uma parcela muito pequena da população negra teve acesso a esse nível de ensino no país. Por isso, a partir dos anos 2000, as cotas raciais passaram a ser implantadas pelas universidades federais. A cota racial é uma ação afirmativa com o objetivo de amenizar desigualdades sociais, econômicas e educacionais. O Estado brasileiro acredita que essa é umas das formas de corrigir a exclusão da população negra do ensino superior e dessa forma, garantir-lhes seus direitos. Desde então, vem crescendo o número de universidades federais que adotam a ação. O assunto se tornou bastante polêmico na sociedade brasileira, chegando até ao ponto de sua legalidade ser confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O órgão considerou, por unanimidade, a constitucionalidade da ação.

A revista Veja apresentou uma matéria na edição 2267, de 2 de maio de 2012, intitulada “Distorção na Pele”, sobre a questão. Verificamos que, embora o título e a expressão contida no lead da notícia “[…] remédio errado […]” expressem o posicionamento contrário da revista em relação à decisão do STF, no parágrafo inicial a revista concorda com a injustiça que o Brasil cometeu contra os negros com a escravidão. “O Brasil tem uma dívida com a sociedade (…), herança daquele pecado original do século XIX”, segundo a revista.

A Veja reconhece a “dívida social”, mas não concorda com a decisão do STF. O posicionamento fica claro no parágrafo seguinte, que sugere que a ação afirmativa pode levar a formas de discriminação. “Mas ressalta-se um risco por unanimidade: as cotas podem criar uma casta de profissionais que, tendo escapado da escolha por meritocracia e beneficiando-se apenas da cor da pele, passem a ser vistos de modo preconceituoso”. Além disso, a Veja exemplifica a limitação da ação, expondo a situação excepcional em que se considerou negro ou pardo somente um de dois gêmeos univitelinos.

Para confirmar seu posicionamento, no último parágrafo, a revista representa a visão do ministro Gilmar Mendes, o qual embora considere a ação afirmativa uma medida provisoriamente necessária, aponta distorções da cota racial, “como a de um aluno negro e rico que, tendo sempre estudado em escola particular, ganhe a oportunidade de entrar na universidade pelas cotas, enquanto um aluno pobre, porém branco, não. Será injusto”. Por essas considerações, a Veja conclui que as cotas raciais são uma medida paliativa para um problema social maior, que é “o acesso de todos à educação, indiscriminadamente”.

Pensamos que a solução apontada pela revista, realmente, é a medida mais adequada para garantir o direito à educação a todos os cidadãos brasileiros. Tal solução exige uma reforma na educação no Brasil que deve iniciar-se pelo ensino básico. Contudo, isso exige uma mudança de conscientização da sociedade brasileira, a qual precisa eleger políticos comprometidos com esse direito. Para que isso se torne possível, também temos que exercer os nossos deveres, entre os quais está votar em políticos sérios e honestos. Enquanto isso não acontecer, medidas como a cota racial serão a única alternativa para o exercício, muito incipiente, do que significa a cidadania na atualidade.