Televisão pública e audiência: o eterno dilema


‖ ‖ ‖ Murilo César Soares ‖ ‖ ‖

 

Algumas reportagens (da revista Época, da Folha de S. Paulo) agendaram, em edições de novembro, a TV Brasil, que completa quatro anos, com substituição da diretora, sem conseguir se firmar junto à audiência. É bem verdade que a própria rede da TV Brasil, prevista para ser formada por canais universitários, não está formada.  Dessa maneira, a maioria dos telespectadores brasileiros nem sequer poderia assistir aos programas da rede pública federal, ainda que quisessem, porque o sinal não chega até eles.

Porém, mesmo nas “praças” em que a TV Brasil pode ser sintonizada, a audiência é, como se diz no jargão profissional, “traço”, ou seja, menor que um por cento.  Isso naturalmente, coloca em xeque a proposta do canal, que emprega quase mil e quinhentos funcionários e  terá um orçamento de quase 500 milhões de reais em 2012 (Folha, 6/11/11, p. E3).

O novo diretor da TV Brasil, Nelson Breve Dias (o nome não é de bom augúrio), alega que não se consolida uma televisão pública em quatro anos, que seriam necessários pelo menos 15 anos para isso.  Devo adiantar que sou entusiasta de primeira hora da rede pública de TV nacional e acredito que ela tenha um papel no desenvolvimento cultural, educacional e social do Brasil. Porém, não creio que seja só uma questão de tempo para que ela alcance sucesso de público. A TV Cultura de São Paulo, por exemplo, existe há décadas e enfrenta o mesmo problema de audiência “traço” ou próxima de “traço”.

O que acontece, então? Como superar a pequena audiência dos canais públicos, educativos, culturais? Como justificar o investimento público em um canal de baixa audiência? O problema é muito amplo e eu não teria a pretensão de resolvê-lo, ainda mais no espaço de uma coluna. Meu objetivo é, apenas, compartilhar algumas idéias preliminares com os estudantes de comunicação, que serão os profissionais dos meios, responsáveis pelo seu destino no futuro. Eu me restringirei às condições em que esses canais existem, no Brasil e em outros países.

Uma dessas condições é a acirrada concorrência entre as redes de TV, incluindo as redes comerciais. Interessa às redes comerciais a maior audiência possível e a competição se dá por meio de “atrações”, ou seja, dos elementos de apelo popular de seus programas. Por outro lado, grande parte da audiência busca na TV, em princípio, o entretenimento, o mais imediato, pronto e mais excitante, o que exija menor esforço e retribua com emoções e sensações. Na verdade, trata-se de preencher o tempo livre com entretenimento de graça. No campo da ficção, as redes respondem com enredos que excitam o imaginário, produções requintadas, seqüências espetaculares, atores famosos, ambientes sofisticados, sensualidade, ação. No campo da informação, a fórmula pode incluir o sensacional, famosos, drama, crime. Apesar de tudo, o jornalismo, graças a seus compromissos éticos e profissionais, ainda consegue refrear essa busca do “interesse do público” (o sensacional), em favor do “interesse público” (ou seja, temas relevantes, como salários, empregos, saúde, educação, habitação, saneamento, ecologia, por exemplo). O jornalismo é, felizmente, um ponto de inflexão nessa curva.

Na concorrência com as redes comerciais, portanto, as redes públicas começam em desvantagem, pois não podem utilizar os mesmos apelos e estímulos, já que isso contrariaria seus objetivos próprios, que são diversos, visando finalidades culturais, cognitivas, cívicas. Entre assistir a um programa de auditório, com pegadinhas ou insinuações picantes, ou a uma luta sangrenta entre campeões de vale-tudo e um programa que trate do aquecimento global, a maioria se rende aos primeiros, porque não exigem esforço mental, são estimulantes ou emocionantes, intensos, etc. Ou seja, na disputa entre razão e sedução, a TV comercial sai ganhando.

Essa desvantagem das programações culturais pode ser contornada com a utilização de recursos na produção de programas, que aumentem sua atratividade (principalmente visuais, cinéticas), tais como filmagem de cenas inéditas, em condições incomuns, seqüências internacionais (sempre que forem necessárias), alta qualidade da imagem, computação gráfica de ponta, equipamentos especiais, equipes de técnicos com experiência específica etc. É por esses recursos que a BBC, por exemplo, costuma se destacar: a audiência prestigia um programa com a grife da BBC porque sabe que ele é definitivo, o ponto mais alto a que a televisão pode chegar sobre o assunto naquele dado momento, conjugando conteúdo e atratividade. São surpreendentes pelas imagens e valiosos pela informação.

No contexto brasileiro, porém, essas condições são utópicas.  Embora nossos profissionais de TV sejam competentes, idealistas e criativos, as redes públicas brasileiras trabalham com orçamentos exíguos, equipes reduzidas, pouco equipamento, de modo que as nossas produções acabam contrastando com as das produtoras norte-americanas e européias pelas evidentes limitações televisuais. Não tiro o mérito das nossas realizações, apenas insisto que elas não têm as mesmas condições de produção e esse é um fator para audiências fracas.

A solução, portanto, é investir mais recursos na produção, de modo a realizar programas com alto valor televisual, em termos gráficos e de conteúdo, que conquistem a audiência pelas suas qualidades como entretenimento e informação, segundo a fórmula do infotainment. O financiamento, no caso brasileiro, vem, em primeiro lugar, do próprio governo, que mantém a rede pública, e precisaria ser aumentado, se o governo dá realmente valor à TV cultural e educativa. Por sua vez, programas de alta qualidade podem ser comercializados no mercado internacional, como a Rede Globo faz a décadas, vendendo suas novelas para redes de mais de cem países e como a BBC e o Discovery Channel o fazem com produções de caráter cultural e educativo. Também existe o mercado dos canais pagos, dos DVDs, visando aos consumidores ou às escolas, que podem ser uma outra fonte importante de receita.

Uma outra iniciativa necessária para fazer frente aos custos é conjugar esforços em co-produções, um pool entre as redes públicas e, também, entre estas e as redes comerciais, com universidades, agências, associações e produtores independentes. No mercado de televisão, no qual os orçamentos dos programas se elevaram muito, devido, justamente, às exigências do público e da concorrência, o caminho das co-produções é obrigatório. Basta ler os créditos finais de qualquer produção de TV internacional para perceber que ela foi realizada por meio do consórcio entre redes públicas de países diferentes, estúdios e produtores particulares, entidades, governos, universidades. No Brasil, essa tradição não é forte: seja por disputas políticas, por individualismo, preconceito ou outra razão, as emissoras públicas, já com orçamentos apertados, procuram fazer seus programas por conta própria.  O resultado, já vimos, são produções de rotina, sem aqueles diferenciais que os tornariam competitivos.

Assim, a busca de solução do problema, a meu ver (enquanto pesquisador de comunicação e não como profissional do ramo de TV, que nunca fui) precisaria começar por melhorar as qualidades televisuais dos programas da rede pública de TV, a fim de interessar a audiência. Para isso, é preciso investir em produções mais caras, o que exige mais recursos e, também, mais integração, mais sinergia, através de co-produções, visando a que elas se destaquem na concorrência nacional com as redes comerciais.

Não é realista a rede pública disputar os primeiros postos de audiência com as redes comerciais, porque a maioria visa, geralmente, ao entretenimento imediato e ao menor esforço mental (o que pode ser um objetivo legítimo para o trabalhador que, eventualmente, chegue em casa cansado e queira apenas relaxar antes de ir dormir).  Mas, não brigar pelos primeiros lugares do IBOPE não quer dizer que a TV pública deva continuar eternamente no “traço”, porque isso também não constitui um objetivo, mas apenas uma acomodação derrotista.