A legalidade do sigilo de informação


‖ ‖ ‖ Raquel Dutra ‖ ‖ ‖ 

 

No que diz respeito à transparência pública e políticas de acesso à informação, muitos avanços foram alcançados desde o início da vigência da Lei de Acesso à Informação – LAI (Lei 12.527/2011). Seguindo modelos consolidados internacionalmente, a lei é fundamentada no princípio de máxima publicidade da informação pública. Logo, no Estado democrático de direito, o sigilo de informações – necessário em alguns casos – deve ser exceção e cumprir determinados requisitos.

A LAI define a informação sigilosa como “aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado” (artigo 4, inciso III do texto da lei); e o sigilo deve ser sempre temporário, feito de forma democrática, e o mais importante: totalmente transparente. Além dos critérios de temporalidade (artigo 24), conteúdo da informação (artigo 21, 22 e 23) e hierarquia (artigo 27), as informações sigilosas devem ser catalogadas e disponibilizadas em lista pelos órgãos responsáveis, de forma que os motivos de restrição estejam esclarecidos (artigos 28 e 30). Deve ser exposta também qual informação em especial é sigilosa, bem como as bases legais para a imposição da restrição, início e fim previsto do sigilo.

Para avaliar o uso do sigilo no Brasil, a ONG Artigo 19 produziu um relatório que analisa o cumprimento (ou não) de parâmetros da Lei de Acesso à Informação para a classificação de informações públicas como sigilosas. A análise também traz dados sobre as políticas de prevenção ao uso indevido do sigilo e os processos de desclassificação de informações. No estudo, foram analisadas as páginas online de todos os 22 ministérios, dos governos estaduais e suas secretarias de meio ambiente.

De acordo com o relatório, a apresentação do assunto da informação classificada como sigilosa é um requisito pouco cumprido. Do total de ministérios analisados, 10 não divulgaram o assunto das informações. Além disso, foram encontrados órgãos públicos que não classificam as informações corretamente ou que sequer possuem lista de sigilos. É preocupante, porque a omissão das informações sobre os conteúdos sob sigilo configura violação da LAI, que estabelece que todo cidadão tem o direito de saber, em linguagem acessível, do que se trata o conteúdo não publicizado.

A desatualização das listas e portais também foi encontrada de forma muito recorrente. A maioria dos ministérios teve suas listas de classificação de informações atualizadas pela última vez no ano de 2018 ou antes. O estudo destaca negativamente a Secretaria de Governo e o Ministério da Infraestrutura. Seus portais de acesso à informação não são atualizados desde 2015. Das 22 páginas do governo federal, quatro não fornecem a data da última atualização das informações classificadas, dificultando a validação dos dados e a conferência do tempo de sigilo. Como ele é definido pela LAI como absolutamente temporário, é grave que o Estado não divulgue essas informações.

De forma geral, a burocratização do acesso à informação foi um dos problemas levantados. A nível estadual, redirecionamentos a páginas inexistentes foram frequentes. Dos 27 portais analisados (26 Estados e Distrito Federal), apenas 6 possuem direcionamento direto da página inicial para a página de informações classificadas como sigilosas. Além disso, apenas quatro fornecem a lista de fato.

Em alguns Estados, poucos ou nenhum registro de sigilo foram encontrados. O relatório chama a atenção para este aspecto, pois é pouco provável que certos Estados, especialmente os mais populosos, não possuam documentos sigilosos de seus órgãos. Em contrapartida, o excesso de informações sigilosas encontradas, com destaque para o âmbito federal, põe em dúvida o entendimento dos princípios fundamentais da LAI, que tratam o sigilo como exceção.

Além da melhoria nos sistemas internos de avaliação/revisão dos sigilos e nos sistemas de gestão da informação, boa parte das soluções possíveis pode envolver a participação dos cidadãos, assim como os demais processos de gestão em uma sociedade democrática. Entretanto, para questionar e debater os sigilos impostos pelo governo, é fundamental o conhecimento sobre o que está sendo classificado. Por isso, mudanças e melhorias nos processos de aplicação do sigilo são necessárias, considerando especialmente que alguns casos configuram violação da lei. Somente assim a efetivação das políticas públicas para acesso à informação e o exercício da transparência pública poderão avançar.