Consequências políticas do jornalismo em declínio


‖ ‖ ‖ Eduardo Moreira da Silva ‖ ‖ ‖ 

 

O jornalismo é considerado o quarto poder, o guardião da democracia. Mas o desenvolvimento de novas mídias afetou as redações, sobretudo de jornais locais, os principais responsáveis pela cobertura de governos municipais.

Um estudo analisou por meio de dados os efeitos da redução de postos de trabalho em redações de jornais locais sobre as eleições para prefeito nos Estados Unidos.

Os pesquisadores acreditam que os cortes de equipes em jornais locais afetam a qualidade política da gestão da cidade, visto que esses veículos historicamente contratam repórteres para cobrir campanhas e eleições municipais, encontros públicos e a criação e implementação de políticas públicas. A cobertura política precária geraria vários efeitos:

Primeiro, os eleitores estarão menos informados sobre os acontecimentos políticos em seus governos locais, incluindo eleições. Quando os cidadãos estão menos informados, torna-se mais difícil que candidatos eleitos sejam questionados pelas suas decisões ou, sejam desafiados por novos concorrentes. Se reuniões locais não são cobertas pelos repórteres e eleições locais recebem pouca ou nenhuma atenção dos jornais, políticos locais possuem chances menores de sofrerem críticas públicas sobre seus desempenhos […] No geral, esperamos que o declínio das equipes de jornais leva à redução da competição política nas cidades (RUBADO; JENNINGS, 2019, p. 8).

Duas hipóteses são classificadas como as principais do estudo:

Hipótese 1: Os níveis dos cortes nas equipes dos jornais serão negativamente associados à competição política nas eleições municipais nas cidades de abrangência desses veículos. Quanto maior for o corte em redações, menor será a competição política para as eleições de prefeitos, com menos candidatos concorrendo e uma maior margem de vitória para os eleitos.

Hipótese 2: Os níveis dos cortes nas equipes dos jornais locais serão negativamente associados ao comparecimento às urnas nas eleições municipais. Quanto maiores os cortes, menor será o comparecimento às urnas nas áreas de cobertura do jornal (RUBADO; JENNINGS, 2019, p. 9).

Para avaliar essas hipóteses, várias fontes de dados foram utilizadas, incluindo dados da Newsroom Employment Survey of the American Society of News Editors (ASNE) e da Alliance for Audited Media.

Foram obtidos dados de eleições entre 1994 e 2014 de cidades do estado da Califórnia. Essas informações foram utilizadas para construir três variáveis: comparecimento às urnas, número de candidatos à prefeito e margem de vitória. Os elementos foram fornecidos pela Local Elections in America Project.

Informações do relatório da Alliance for Audited Media (2016) foram utilizados para analisar a área de cobertura de diferentes jornais em vários municípios da Califórnia. Também foram obtidos dados do Censo nos anos de 1990, 2000, 2010 e 2014 com características das cidades, para incluir um controle demográfico na pesquisa.

Onze jornais e suas cidades correspondentes foram selecionados. Três critérios foram utilizados para restringir a pesquisa apenas aos jornais interessados:

  1. Os casos foram restringidos para jornais em que o tamanho da redação pudesse ser razoavelmente relacionado à cobertura em cidades atendidas por esses veículos. Por essa razão, jornais de áreas metropolitanas foram excluídos, visto que há inúmeros jornais e sobreposição de cobertura de veículos.
  2. Foram selecionados apenas os maiores jornais em sua área metropolitana, visando evitar a cobertura de um jornal maior na mesma área.
  3. Por último, a cidade da área de cobertura precisava ter pelo menos 50 mil habitantes, pois a teoria da pesquisa foi baseada em cidades de tamanho substancial.

Após esse recorte, foram selecionados casos em que se pudesse analisar tanto o tamanho das redações como dados das eleições para prefeitura, tendo em vista verificar as hipóteses. Os jornais com circulação atingindo menos de 10% da população foram excluídos. O conjunto de dados resultou em 11 jornais, 46 municípios e 246 eleições para prefeito em 20 anos.

Os resultados evidenciam que a defasagem das redações está relacionada à quantidade de candidatos à prefeito e à margem de vitória do político eleito. Com uma cobertura eficaz, os eleitores possuem mais opções na urna e há uma disputa mais acirrada pelo cargo. Quanto menor forem as equipes dos jornais, maior será a porcentagem de vitória do político eleito. Isto sugere a validação da hipótese 1.

Outras pesquisas são necessárias para a compreensão das consequências do enxugamento do jornalismo. No Brasil, o Atlas da Notícia, uma iniciativa do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo), em parceria com o Volt Data Lab, mapeia os produtores de notícia, em especial os jornais locais. O projeto mapeia os “desertos de notícias”, locais sem cobertura significativa de imprensa, que representam 51% dos municípios brasileiros e 30 milhões de pessoas. As evidências da pesquisa de Rubado e Jennings aguardam dados similares no Brasil.