Influenciadores digitais e o poder do jornalismo profissional


‖ ‖ ‖ Vinícius Lauriano Ferreira ‖ ‖ ‖ 

 

Na hora de formar opinião, a influência dos youtubers, também chamados atualmente de influenciadores digitais, só perde para a família e os amigos. É o que mostra levantamento da Google no qual os entrevistados foram convidados a selecionar “quais são as pessoas que mais influenciam sua opinião”. A família vence, com 43,1% das escolhas, seguida dos amigos, com 34,8%. Logo após surgem os youtubers, com 20%, logo à frente de ninguém menos que jornalistas e notícias, com 19,1%.

É inegável o crescimento quantitativo e qualitativo das redes sociais enquanto pontos de referência para adquirir informações em todas as áreas. Quando se trata do portal de vídeo YouTube, o Brasil tem sido terreno fértil: já figura com dois canais entre os 15 mais acessados do mundo, de acordo com o mesmo levantamento: o da produtora musical Kondzilla – especializada em clipes de música funk, em especial –, com 45 milhões de inscritos, e o de Whindersson Nunes, com 34 milhões, segundo o levantamento.

A pesquisa aponta as possíveis razões para que tais canais sejam tidos como fontes de informação: o fato de estarem conectados numa mesma rede, e não numa difusão unilateral de informações; a possibilidade de sempre encontrar conteúdos e assuntos referentes ao gosto do espectador; e ainda a noção de que quem assiste está de certa forma engajado com o youtuber, diferente de quem zapeia despretensiosamente pela programação televisiva.

A ultrapassagem dos youtubers em relação aos jornalistas na confiabilidade das informações traz implícita uma dicotomia entre quem atua nos meios tradicionais, que vê estes novos meios com reticência e até preconceito. O tipo de informação transmitido, o modo muitas vezes amador – em comparação à linguagem midiática tradicional – e a falta de formação formal dos influenciadores são as principais causas de aversão. O que não se percebe, porém, é que, desse modo, perdem a oportunidade de tentar traçar e entender esse novo tipo de relação com o público.

É o que afirma a pesquisadora Lígia Trigo, vice-coordenadora do Com+ – Grupo de Pesquisa em Comunicação, Jornalismo e Mídias Digitais, da Universidade de São Paulo (USP). Em artigo de 2018 na revista Comunicação & Inovação, ela aponta a falta de presença de jornalistas e veículos especializados em saúde tratando do tema na plataforma de vídeos. “A estratégia de agregar audiências e diversificar as formas de distribuição dos conteúdos produzidos não tem levado em conta a grande audiência dessa plataforma e sua relevância no cenário da comunicação digital no Brasil”, afirma ela.

Por outro lado, o jornalista que vê com desdém a ação dos influenciadores não consegue perceber o difícil caminho trilhado por eles até chegarem ao status que possuem. “Tornar-se um influenciador digital é percorrer uma escalada: produção de conteúdo; consistência nessa produção (tanto temática quanto temporal); manutenção de relações, prestígio em uma comunidade e, por fim, influência”, afirma a pesquisadora Issaaf Karhawi, do mesmo grupo da USP. Em artigo apresentado no Congresso Brasileiro de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp) de 2017, ela traça um perfil dos influenciadores digitais e busca entender seus perfis à luz das teorias de Michel Foucault e Pierre Bourdieu, por exemplo.

É a mesma conclusão alcançada pelos pesquisadores Bruna Motta, Maíra Bittencourt e Pablo Viana, em artigo publicado na E-Compós em 2014: “A possibilidade que indivíduos interconectem-se através da rede permite que o usuário adentre espaços antes inacessíveis”, afirmam eles. “Admite que ele possa dar sua opinião de forma mais ativa, sem necessitar que alguém ou algo aprove sua participação, como acontecia nos meios tradicionais de comunicação, dotados de equipes responsáveis por filtrar os conteúdos (gatekeepers) a serem veiculados”.

Vale lembrar que nos últimos meses viu-se uma escalada também política a favor do uso das mídias sociais como fonte de informações e críticas ao jornalismo tradicional. Os tais gatekeepers são cada vez mais vistos por uma parcela da população como um defeito do jornalismo, e não uma vantagem. “Manipuladores” tornou-se expressão frequentemente ouvida para se referir aos grupos de jornalismo tradicionais. Pululam canais que fazem um jornalismo “direto”, com evidente desprezo pela ideia de não assumir lados, de checar versões e fatos ou de se atentar ao verdadeiro interesse público e ao seu papel de informar.

De qualquer modo, o que os pesquisadores citados sugerem é que aquela porcentagem divulgada pelo levantamento da Google possui um significado concreto, que terá de ser compreendido e aplicado em transformações no jornalismo tradicional. A ação dos novos influenciadores precisa ser acompanhada de perto por aqueles que há muito mais tempo estão acostumados a informar as pessoas, bem como implicar questionamentos das bases que fundamentaram o jornalismo até os dias atuais.