‖ ‖ ‖ Clara Tadayozzi ‖ ‖ ‖
Presente na XIX Jornada Multidisciplinar, Cicília Krohling Peruzzo é doutora em ciências da comunicação pela Universidade de São Paulo, com pós-doutorado pela Universidad Nacional Autónoma de México.
Nesta entrevista ao Plural, ela comenta suas pesquisas e o cenário da comunicação popular e comunitária no Brasil.
Um tema de suas pesquisas atuais aborda a representação dos movimentos populares pela mídia e como eles se autorrepresentam. Em sua opinião, o fato de um movimento popular ser mostrado ou não pelos meios de comunicação interfere na legitimação e conquista das reivindicações por ele apresentadas?
Sim, interfere bastante porque os meios usados pelos próprios movimentos são canais para eles se posicionarem na sociedade. Quando eles podem falar de si por eles mesmos, eles têm uma autorrepresentação que corresponde aos seus propósitos, aos seus ideais, então é uma forma de visibilidade que lhes assegura uma aceitação na sociedade porque trata-se de uma visão coerente com os seus propósitos, daí a importância das mídias alternativas, das próprias mídias dos movimentos sociais.
Por outro lado, às vezes quando eles são retratados pelos grandes meios de comunicação, tende a haver uma visão distorcida dos mesmos. No fundo tudo isso sempre está em contato, sempre está em conflito no conjunto da sociedade.
Em um de seus artigos, você indica que a comunicação comunitária e popular é diversa em suas práticas e auxilia no aprofundamento do exercício da cidadania. Você acredita que as mídias sociais disponíveis atualmente favorecem a mobilização da sociedade em busca de direitos, ou, pelo contrário, fazem surgir uma nova categoria de manifestação, o famoso “ativismo de sofá”?
Eu acho que não é uma coisa ou outra. Essas duas dimensões acontecem. Por parte dos movimentos sociais, organizações civis sem fins lucrativos, as mídias e redes online auxiliam muito na sua presença na sociedade, na sua visibilidade, nas possibilidades que essas mídias têm de articular as pessoas, de difundir, de mobilizar, enfim; as mídias e redes online têm um potencial muito grande e estão contribuindo muito nesse sentido. E mais, acontece até a apropriação delas para uso coletivo mesmo, na disseminação de outros veículos de comunicação, por exemplo, uma TV comunitária, uma emissora de rádio na internet.
A internet vai favorecendo também esses canais que são próprios dos movimentos. Ativismo de sofá é outra categoria de participação, mais individualizada, que hoje também é muito comum. É uma participação cada vez mais acelerada, mas é uma participação no fundo independente, porque cada um está participando do jeito que quer. Eu não colocaria como alternativa. Talvez esteja até desmotivando ou desmobilizando uma articulação mais ampla, porque a pessoa está ali participando, falando, e de repente ela pode estar se achando realmente já ativa, e isso desmobilizar um outro tipo de envolvimento. Pode ser, mas eu acho que a gente precisaria estudar melhor se está realmente acontecendo isso.
Agora, com certeza, é mais do ponto de vista individual do que dos movimentos e das organizações, porque eles continuam, eles estão muito além da internet, estão também nas suas organizações de base, em seus espaços presenciais, como arena de participação ativa mesmo.
Em 2013, você utilizou como objeto de estudo as manifestações das Jornadas de Junho, bem como o papel das redes sociais e da mídia alternativa nesse processo. Na sua visão, qual é a influência da mídia alternativa para a propagação de manifestações populares?
A influência das mídias alternativas hoje é muito salutar, porque significa uma contrainformação. Porque é uma forma de mostrar outras visões. Quantas coisas que as mídias alternativas cobrem, postam, cobrem ao vivo ou depois editam vídeos, e tudo isso é postado na internet, seja em blogs, seja em perfis no Facebook, e acaba então constituindo um material muito rico, uma espécie de documentação das manifestações de rua, dos protestos, a partir de uma visão mais de dentro dessas manifestações.
Elas têm um papel muito grande, justamente como contraponto, como contrainformação, porque nem tudo o que acontece é bem representado nos grandes meios; eles tendem a desqualificar, a ter visões parciais, às vezes muito condicionadas por posições políticas e ideológicas mais conservadoras, daí então a importância de ter uma visão a partir de dentro dos próprios grupos, das próprias manifestações. Além de cobrir coisas que às vezes não interessam aos grandes meios.
Você escreveu em 2010 um artigo sobre as rádios comunitárias e a liberdade de expressão no Brasil. Qual o papel do Estado no incentivo e viabilização do desenvolvimento de meios de comunicação comunitários no país?
O papel do Estado é sofrível nisso. Ele mais dificulta do que ajuda. A começar pelas restrições impostas ao longo da história. O Brasil foi um dos últimos países a ter legislação de meios comunitários. E a lei é restritiva. Nunca houve um fundo público que ajudasse no próprio funcionamento dos meios comunitários. As leis nem permitem que possam ter publicidade.
É uma questão complicada, que tem relação com outras forças da própria sociedade, devido à pressão dos grandes meios para que eles não se vejam ameaçados por outro tipo de comunicação, que não seria ameaça nenhuma, porque os meios comunitários na verdade atuam em outro universo, num universo muito direto, a partir das necessidades das próprias comunidades.
O que seria necessário para capacitar todo e qualquer cidadão para atuar como provedor de conteúdo, assim como na deliberação e decisão de estratégias comunicativas?
Isso passaria por uma educação cívica que adviria tanto da educação formal – o ensino em todos os níveis, inclusive o universitário – e também da educação não-formal e informal; toda a sociedade teria responsabilidade nesse tipo de formação. E colocar a comunicação no seu devido lugar.
Os meios de comunicação ainda são vistos como externos, feitos por especialistas, distanciados da sociedade. Precisa quebrar isso talvez, e fazer com que as pessoas percebam a comunicação no seu dia a dia. Que elas também podem e devem se apropriar de meios, canais, mas apropriar em que sentido?
As pessoas estão se apropriando hoje, mas estão fazendo o que com esses espaços? Por isso, seria importante uma preocupação com a formação cidadã no sentido de debater a finalidade da sociedade: para que a sociedade? Quem somos na sociedade? Para onde vamos?
Deveria haver uma discussão em relação ao direito de ter o direito, das pessoas serem respeitadas em seus direitos humanos e de cidadania, das próprias finalidades do Estado, toda a questão do interesse público. Isso vai muito além de posições político-partidárias, ou político-ideológicas. A formação cidadã é de responsabilidade de todos.