Do véu à voz: a luta global por igualdade de gênero


‖ ‖ ‖ Clara Tadayozzi ‖ ‖ ‖ 

 

Em todo o mundo, é notável a diferença de tratamento, valor e reconhecimento atribuídos aos homens e às mulheres. As sociedades de modo geral se consolidaram conforme um padrão essencialmente machista e patriarcal que se reflete na atualidade. No entanto, a luta incessante de mulheres pela igualdade de gênero vem gradualmente alterando esse cenário, através da conquista de direitos legítimos e fundamentais que já deveriam ser garantidos a esse grupo considerado uma minoria – não em questão de número, mas de representatividade.

Essa conquista, porém, se constrói de modo diferente em cada nação, tendo em vista a variedade de culturas existentes no mundo. Em alguns países, como o Afeganistão, considerado um dos lugares mais perigosos às mulheres, direitos básicos são considerados crimes, e são punidos por meio de ações atrozes majoritariamente direcionadas ao público feminino. Alguns desses ‘crimes’, segundo a prática cultural do país, se enquadrariam na recusa de um casamento forçado, em uma relação desaprovada pela família, na vítima de violação, na vestimenta considerada inapropriada, na homossexualidade, no divórcio, adultério ou renúncia a uma fé.

Vê-se, pois, que o conservadorismo e a misoginia ainda ostensivos no Afeganistão não só violam os direitos das mulheres, mas aqueles relativos ao ser humano. Uma estimativa do Fundo de População das Nações Unidas indica que cerca de 5 mil mulheres morrem todo ano no mundo devido a punições brutais, como apedrejamento, apunhalamento, espancamento, queima, decapitação, enforcamento, corte da garganta, ataques com ácido, tiro e estrangulamento. E esse número ainda é considerado extremamente baixo, se cogitado o fato de que muitos desses crimes não são relatados.

Os sinais de radicalismo deixados pelo governo do Talibã, movimento fundamentalista islâmico, ainda são facilmente observados, embora esse domínio tenha durado de 1996 a 2001 no Afeganistão. Entretanto, alguns indicadores de mudança começam a despontar nesse país, como a inserção da mulher na mídia, na política e nos negócios, assim como a insurgência de leis que protegem os direitos das mulheres.

Esses avanços são resultado do ativismo de mulheres dispostas a mudar a realidade em que se inserem, apesar de muitas vezes essa determinação significar até mesmo uma ameaça de morte. Inspirada na garra dessas mulheres, a cineasta Roberta Staley, de Vancouver, produziu um documentário, registrando o esforço de três figuras inspiradoras na luta pela igualdade de gênero no Afeganistão.

Mídia que transforma

Mightier Than The Sword (Mais poderoso do que a espada) é um documentário de uma hora de duração que retrata a jornada de mulheres que trabalham na mídia em prol da igualdade de gênero e da reivindicação de direitos às mulheres. Após a queda dos talibãs, um avanço significativo foi a entrada da mulher no universo midiático, que passou a ser sua porta para a visibilidade e expressão. Hoje mulheres afegãs ocupam cargos de repórteres, diretoras, escritoras, produtoras e poetas, ampliando sua área de atuação no país.

“As mulheres afegãs são guerreiras”, diz Staley em seu vídeo de divulgação do filme. “E, desta vez, seu campo de batalha é a mídia. Uma das maiores realizações da ocupação ocidental foi a criação de uma mídia livre e independente. No jornalismo impresso, ou no telejornalismo, em filmes e documentários, a luta se opondo à cultura do silêncio e da invisibilidade continua. A nova mídia afegã está disseminando histórias de mulheres e transformando percepções sobre a função delas na sociedade”.

A produtora registra em sua obra as trajetórias de três mulheres que militam pela igualdade de gênero e liberdade de expressão: a jovem cineasta Sahar Fetrat, a repórter de TV Shakila Ibrahimkhail e a cantora e apresentadora Mozhdah Jamalzadah. Staley gravou o documentário no Afeganistão em 2015 e conta que teve de hipotecar seu apartamento para terminar o filme, no qual investiu mais de US$ 80 mil.

Vozes necessárias

Iniciativas como a de Roberta Staley contribuem significativamente para a conscientização da sociedade civil acerca dos avanços e desafios encarados pela mulher afegã diariamente. Expor a batalha travada por essas corajosas mulheres é dar reconhecimento ao seu esforço em busca de uma sociedade melhor e mais igualitária para se viver.

A figura feminina nas plataformas de comunicação se fortalece e contesta opiniões conservadoras e misóginas, revelando as barbaridades frequentemente cometidas às mulheres, como expressa a música de Mozhdah Tribute to Farkhunda (Tributo a Farkhunda), que homenageia uma mulher de 27 anos, assassinada por uma multidão de Cabul após ter sido falsamente acusada de queimar uma cópia do Alcorão.

A necessidade de ecoar essas vozes é urgente, para que não se calem para sempre tantas outras vozes não ditas mundo afora. O Afeganistão está aqui e ali; está em toda parte. E as Farkhundas são todas aquelas de quem já foi tirado o direito de falar, de se impor, de escolher e ser o que bem quiser.