Observatório Europeu de Jornalismo analisa cobertura de Trump


‖ ‖ ‖ Heloísa dos Santos ‖ ‖ ‖ 

 

Em apenas alguns meses de governo, a presidência de Donald Trump pouco avança no conceito dos media europeus. A imprevisibilidade e incerteza que cercam o presidente dos EUA ganham visões mais simpáticas entre grupos conservadores e apoiadores do Brexit, de acordo com estudo realizado pelo European Journalism Observatory (EJO). A instituição conduziu uma pesquisa sistemática e qualitativa, com análise de conteúdos de jornais europeus sobre o novo presidente.

O EJO coletou artigos e reportagens de três jornais de dez países europeus e dos EUA durante o período de 12 a 18 de janeiro de 2017. Os países europeus participantes foram Áustria, República Checa, Alemanha, Itália, Letônia, Polônia, Portugal, Romênia, Ucrânia e Reino Unido. Foram selecionados jornais que abarcam grandes espectros de opiniões políticas.

Grande parte dos jornais parece desorientada para lidar com o comportamento político e público de Trump. O ex-showman repetidamente tem ignorado normas não-escritas do mundo político e usa uma comunicação pouco usual na diplomacia, muito direta e brutalmente sincera. Suas declarações sobre a Rússia e a União Europeia não foram bem aceitas, o que pode ser observado nas manchetes dos jornais europeus. Um periódico alemão o classificou como “o pesadelo da Europa”.

Um possível acordo entre Trump e o presidente russo Vladimir Putin desesperou grande parte dos media europeus: se cumprida, essa política com a Rússia poderia marginalizar a Europa no cenário econômico e diplomático, e, mais do que isso, alguns jornais falavam de uma possível guerra. Apesar disso, de acordo com a análise do EJO, os artigos analisados buscam tratar o assunto de forma neutra.

Por outro lado, outros discursos incluem uma perspectiva mais otimista em relação à política econômica liberal de Trump. Os mais otimistas apostam na capacidade do presidente de negociar e planejar estratégias. A possível redução de impostos e burocracias e o reforço da unidade europeia também são citados como pontos que poderiam ser positivos durante a gestão de Trump.

O estudo ainda indica que pouco foi publicado sobre como a nova presidência poderia influenciar as políticas dos próprios países em que os jornais têm sede. Questões como a insatisfação pública com o establishment e a ascendência de movimentos de direita ou conservadores foram deixadas relativamente de lado. Um jornal checo chegou a afirmar que, após o Brexit, mesmo a vitória de Le Pen na França não seria surpresa – o que agora sabemos que não ocorreu, e a presidência francesa é ocupada atualmente por Emmanuel Macron, um líder liberal.

A pesquisa conduzida pelo EJO parece refletir também o clima de cautela e baixas expectativas em relação ao futuro que se instalou na Europa após a vitória do Brexit. O estudo foi conduzido durante janeiro, bem antes de os EUA lançarem bombas em território sírio, contrariando a política da Turquia (e da Rússia, indiretamente) na região. Esse incidente e outras declarações do presidente e sua diplomacia causaram constrangimentos a países europeus.

As especulações sobre um possível impeachment de Trump e do presidente Michel Temer no Brasil tornam o cenário econômico muito mais fragilizado do que se esperava em janeiro. As bolsas operam em quedas e é possível que as relações transatlânticas se tornem mais imprevisíveis.

Esse trabalho de análise executado pelo EJO, portanto, é de grande importância para se compreender como a gestão de Trump e sua figura em si são vistas pela Europa. O perigo das relações entre EUA e Rússia, tanto em amizade quanto em discordância, coloca certas questões em xeque que ultrapassam o cenário econômico e diplomático. A guerra que se desenrola na Síria recebe influências muito fortes da Rússia, Turquia e EUA, e um confronto entre esses países sobre esse conflito específico tem o potencial de agravar a crise humanitária que hoje preocupa a Europa.

Como essas narrativas dos media europeus se desenvolverão frente ao possível impeachment de Trump é outra questão que, talvez, renda ainda mais estudos futuramente.