Relatório examina impunidade em crimes contra comunicadores


‖ ‖ ‖ Luis Henrique Negrelli ‖ ‖ ‖

 

13 de fevereiro de 2012. Ponta-Porã, cidade do Mato Grosso do Sul, na fronteira com o Paraguai. Paulo Rodrigues está dirigindo seu automóvel. Uma motocicleta se aproxima do veículo em movimento. O que acontece a seguir leva Paulo à morte: uma sequência de 16 tiros à queima-roupa. Os autores do crime não foram identificados. O inquérito sobre o homicídio ainda não foi concluído, e os mandantes não foram descobertos. Paulo era jornalista, chefe de redação de um jornal e possuía um blog na internet. Moradores da cidade estão convencidos de que o crime possui relação com a atividade jornalística da vítima. Depois do ocorrido, o blog de Paulo deixou de existir. Sua voz foi calada.

Assim como ele, Rodrigo, Walgney, Mafaldo, Pedro, Geolino, Marcos, Mário, Aldenísio, Valério, Luis Henrique e Eduardo também tiveram suas vozes brutalmente silenciadas. O caso destes comunicadores brasileiros está retratado no relatório divulgado em novembro pela Artigo 19 O ciclo do silêncio: impunidade em homicídios de comunicadores no Brasil, que explora a situação da impunidade desses crimes no país.

O relatório foi lançado no Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra jornalistas. Segundo a Unesco, pelo menos 827 jornalistas foram mortos nos últimos dez anos no mundo. Em 2015, 115 jornalistas foram assassinados. No Brasil, sete profissionais morreram em 2015, colocando o país na quinta posição entre os países com mais mortes de jornalistas.

O estudo publicado pela Artigo 19 analisou 12 casos de homicídios de comunicadores entre 2012 e 2014, em oito Estados brasileiros, casos que foram denunciados pela organização em relatórios anteriores e acompanhados através de familiares das vítimas, autoridades e comunicadores.

Contexto nacional

O estudo aponta que atualmente, no Brasil, os jornalistas realizam seus trabalhos em um ambiente arriscado, inseridos num jogo de interesses do aparato midiático. Blogueiros, radialistas e redatores lidam com grupos políticos e dominantes que, em determinadas situações, tentam silenciar vozes discordantes.

Vários casos de assassinatos de comunicadores foram notificados no Brasil. Eles foram autores de críticas, investigações ou denúncias das quais a sociedade não tem conhecimento. Segundo a Artigo 19, entre 2012 e 2015, houve 121 casos de violações contra comunicadores, como homicídios, tentativas de assassinato, ameaças de morte e sequestro. No Brasil, a vulnerabilidade a que estão sujeitos esses indivíduos gera um clima de insegurança para a profissão e a liberdade de expressão. A lógica do silenciamento tem falado mais alto.

O estopim para o estudo encontra-se no desejo de uma perspectiva mais aprofundada de um dos motivos centrais para a intensificação das violações: a impunidade desses atos.

Informações do relatório

A pesquisa revela que o perfil das vítimas é composto por jornalistas, radialistas, fotógrafos, blogueiros e proprietários de jornais com circulação restrita. Entre os 12 casos, 4 ocorreram com jornalistas, 3 com radialistas, 3 com blogueiros, 1 com fotógrafo e 1 com proprietário de veículo de comunicação. No geral, as vítimas eram homens adultos, trabalhadores de pequenos veículos.

Metade dos 12 casos observados ocorreu em cidades pequenas, com menos de 100 mil habitantes. Por esse motivo, algumas das vítimas eram conhecidas na cidade e donos de jornais com repercussão local.

No período considerado, contabilizou-se um caso no Maranhão, um no Ceará, um na Bahia, um em Goiás e um em São Paulo; dois casos em Minas Gerais e dois no Rio de Janeiro; e três casos no Mato Grosso do Sul. Todas as vítimas eram conhecidas por fazer cobertura policial e política.

Muitos eram os únicos comunicadores investigativos de suas regiões. Sua morte traz a extinção desse modo de jornalismo no local. Em um caso em Minas Gerais, o profissional que trabalhava com uma das vítimas também foi assassinado um tempo depois pelo mesmo pistoleiro. A repetição desse ato também se deu em outros locais, levando a óbito até outro jornalista que investigava a morte de seu colega e a própria esposa de um deles.

Entre os 12 casos, oito vítimas já haviam recebido ameaças antes do crime. Na ocorrência do blogueiro Mario Randolpho Marques Lopes, do Rio de Janeiro, dias antes de sua morte uma bomba foi jogada em sua casa e tentaram atropelá-lo. O jornalista sobreviveu a cinco disparos que recebeu, porém foi morto dias depois com tiros em uma estrada isolada. Contudo, muitos comunicadores ameaçados optaram por não informar a ninguém, por insegurança e para proteger suas famílias.

Entre os suspeitos dos crimes, é possível encontrar poderosos do ramo político, econômico ou militar. Em 9 das 12 ocorrências, políticos ou policiais são suspeitos de planejar os crimes. No restante, empresários ou indivíduos do crime organizado são os supostos mandantes. O motivo desse perfil é o fato de os jornalistas informarem sobre escândalos, atos ilegais e corrupção envolvendo essas figuras. Em todos os casos, pessoas secundárias realizaram os crimes cumprindo ordens, como pistoleiros.

Conclusões

A pesquisa evidencia que a instauração de investigações policiais não gerou sensação de segurança para os informantes da Artigo 19. Em alguns casos, pessoas relacionadas às vítimas disseram que o trabalho da polícia foi prejudicado por interesses dominantes. Os entrevistados declararam ainda que os crimes aumentaram a insegurança de outros profissionais próximos às vítimas, podendo causar autocensura ou alteração nos modos de cobertura e investigação.

Por outro lado, a participação do Ministério Público nas ocorrências causou alteração no quadro de insegurança, além de uma resolução positiva para os casos. Contribuiu também a pressão da mídia, de outros comunicadores e a mobilização da sociedade para acompanhar o andamento. A participação de órgãos de outras instâncias e delegacias especializadas contribuíram para o progresso das ocorrências.

Mesmo com a contribuição positiva, metade dos 12 casos possuem investigações ineficientes ou inconclusivas. Em três casos, a ação penal acarretou sentença para os culpados; em dois casos, a investigação levou a uma ação penal; e, em um caso, o inquérito policial está em andamento.

O relatório traz recomendações para solucionar ou diminuir a impunidade e os casos que atentam contra a vida de comunicadores. São elas: proteção imediata aos ameaçados de morte; criação de um observatório público para monitorar e divulgar o status de apuração e responsabilização; implementação de delegacias especializadas; fortalecimento do controle da atividade policial para facilitar o acesso de comunicadores em situação de vulnerabilidade; e, para órgãos internacionais, o fomento à cooperação internacional no âmbito da segurança de comunicadores, como em situações de conflitos fronteiriços.

Em complemento às medidas e recomendações, é importante que os casos de atentados contra comunicadores não entrem apenas para índices estatísticos, mas que sejam analisados de maneira particular. O jornalista Paulo Rodrigues dizia: “a caneta é minha arma, e o bloco de papel é meu escudo”. Essa premissa precisa permanecer como máxima no jornalismo, a fim de garantir o direito à liberdade de expressão.