Índice de Capacidades Básicas e combate à pobreza


‖ ‖ ‖ Maximiliano Martin Vicente ‖ ‖ ‖

 

Social Watch é uma rede internacional de organizações da sociedade civil que tem como finalidade erradicar a pobreza, as causas da pobreza e combater todas as formas de discriminação e racismo. Luta por uma sociedade onde a riqueza esteja distribuída equitativamente e onde se respeitem até as últimas consequências os direitos humanos. Por tais motivos essa associação defende a paz, a justiça social, econômica e de gênero assim como o direito das pessoas de não serem pobres. Sua atuação principal reside na fiscalização das políticas públicas destinadas a combater a pobreza e a discriminação social. Assim, avalia programas e políticas públicas desenvolvidas nos países onde está presente e atua tomando como referências critérios não meramente econômicos como o Banco Mundial, por exemplo, para quem é suficiente que a pessoa ganhe menos um ou dois dólares por dia para ser considerada pobre.

Nesse sentido, uma das ferramentas mais instigantes criadas por Social Watch para medir a qualidade de vida da população foi o Índice de Capacidades Básicas (ICB). Esse índice, inspirado nas propostas e ideias do professor Amartya Sem, tem como finalidade levar em consideração como são respeitadas as capacidades humanas essenciais em cada país para se ter uma vida digna. O ICB atribui peso igual para três capacidades básicas: (1) a capacidade de ter uma nutrição adequada; (2) capacidade de saúde e segurança reprodutiva e (3) capacidade de acesso à educação e ao conhecimento. O índice é computado como a média ponderada de três indicadores: 1) mortalidade entre crianças abaixo de 5 anos de idade, 2) saúde reprodutiva ou saúde mãe-criança (medidos pelo número de nascimentos assistidos por profissionais de saúde qualificados) e 3) educação (medidos através de uma ponderação entre o número de crianças matriculadas no ensino fundamental, proporção de crianças que chegam à quinta série do ensino fundamental e taxa de analfabetismo entre adultos). Um país com qualidade de vida ideal seria aquele que não tem nenhuma criança fora da escola, que acompanha e atende a todas as mulheres durante a gravidez e que combate efetivamente qualquer tipo de discriminação social. 

Proposta

Essa proposta foi colocada em prática em 2009 quando Social Watch procurou estudar e compreender o impacto do neoliberalismo na primeira década do século XXI. Levando em consideração sua proposta essa entidade avaliou e analisou a situação de 167 países, que tinham os dados necessários para desenvolver o estudo de maneira confiável, de um total de 193 que compõem a ONU. Os resultados apresentados por Social Watch são muito alarmantes. Constatou-se que, no âmbito mundial, o intercâmbio comercial se multiplicou em cinco vezes entre 1999 e 2010, assim como, também, a renda média por habitante no mundo mais do que duplicou, passando de US$ 4.079 para US$ 9.116. Já os indicadores do ICB aumentaram, nesses vinte anos, apenas 10%. Uma boa visualização dessas afirmações se encontra no gráfico a seguir elaborado por Social Watch. A projeção apresentada pelo comércio mundial, o ingresso per capita e o Índice de Capacidades Básicas não deixam margem de dúvidas sobre a desigualdade seguida entre eles. Obviamente, o ICB fica muito distante do crescimento mundial experimentado nessas duas décadas.

O que o ICB revela? Algumas considerações podem ser feitas a esse respeito. A primeira grande conclusão é que o combate à pobreza, na primeira década do século XXI, foi um autêntico fracasso. A segunda grande conclusão é que o desempenho econômico e o bem-estar das pessoas seguem caminhos diferentes. É possível afirmar que a distância entre as classes sociais aumentou devido à distribuição desigual dos benefícios da prosperidade gerados nesse período. Se olharmos o informe de Social Watch, por região, os dados comprovam que houve uma mudança apenas marginal no ICB para a Europa e América do Norte nos últimos 20 anos. Para a América Latina e o Caribe, Leste Asiático e Pacífico, e Oriente Médio e Norte da África a tendência mostra uma desaceleração significativa dos ICBs durante o período de 2000 a 2011, se comparados com a década anterior. Apesar de um momentum econômico maior para os países mais pobres na África subsaariana e o sul asiático, deve-se notar que essas duas regiões apresentaram o mais baixo ICB registrado por Social Watch. Apenas para ilustrar: considerando 100 como o número ideal, onde o ICB fosse atingido na sua totalidade, as desigualdades contidas no informe são impressionantes. Pegando os extremos, Japão apresenta índices de 99,5 enquanto o Chade fica nos 47,9. Para Social Watch, qualquer índice inferior a 80 pode ser considerado problemático por evidenciar questões sociais graves dentro do país.

Sustentabilidade

Desigualdades patentes que falam por elas mesmas. Ressaltamos que deixamos de fora as questões ambientais, mas os dados do informe de Social Watch, em relação à emissão de dióxido de carbono, comprovam que as metas estabelecidas na elaboração dos Objetivos do Milénio – metas formadas em 2015 pela ONU para serem atingidas até 2015 – na questão da sustentabilidade ambiental foram olimpicamente ignoradas. Apenas um dado para sustentar essa afirmação: 11% da população mundial não tem acesso a água potável, e os níveis de emissão de CO2 aumentaram, entre 2000 e 2010, 4,6 toneladas.

Mas algumas observações podem ser feitas diante do quadro apresentado anteriormente. Os Objetivos do Milênio que tinham como meta final serem obtidos em 2015 ficaram muito aquém do esperado. O ICB comprovou que a pobreza é e seguirá sendo uma carência visível e palpável quando nos referimos ao acesso a serviços e bens básicos para o bem-estar das pessoas. A pobreza não se resume só a questões econômicas, ela se apresenta como um fenômeno multidimensional baseado nos direitos das pessoas e não dos mercados. O ICB mostrou, na prática, que o acesso a tais direitos pode ser mensurado, avaliado e monitorado, portanto, se apresenta como uma ferramenta eficaz a serviço da cidadania o que coloca em xeque as políticas públicas defendidas por organismos como a ONU ou pelos estados nacionais.

Para tentar injetar novo ânimo e motivar novos debates sobre essa questão concreta, como é a pobreza, a ONU lançou em janeiro de 2016 um programa no qual se prevê que até 2030 se tenha acabado com a pobreza, se promova a prosperidade e o bem-estar social para todos e se proteja o meio ambiente enfrentando as mudanças climáticas. Assim, se criou a denominada Agenda 2030 das Nações Unidas, na qual se estabelecem novos objetivos denominados de Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Teoricamente todos os países signatários da ONU deveriam se comprometer com tais princípios, o que nos faz pensar na viabilidade e o êxito das metas propostas. Contudo, os ICB já provaram que só boas intenções e a assinatura de documentos para erradicar a pobreza se tornam insuficientes. A título de esclarecimento, tomando como referência as regiões mais problemáticas do ICB e pensando que se mantenham as políticas públicas atuais, a região subsaariana chegaria a ter índices de excelência só em 2353, e a Ásia Central, em 2042. Excluindo a Europa e América do Norte, as demais regiões alcançariam um nível de qualidade aceitável só em 2022. Portanto, se vislumbram muitos desafios pela frente e se considera que a proposta do ICB, além de ser mais completa, questiona as políticas públicas na sua essência. O que impressiona sobre tais índices é o silenciamento da imprensa sobre toda essa movimentação e debate metodológico. Os avanços obtidos no âmbito econômico não solucionaram as questões sociais. Cabe à mídia se posicionar e deixar mais explícito que método usa quando as notícias veiculadas com a temática da pobreza são publicadas.

 

 

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