Acesso à informação e transparência nos tribunais de justiça


‖ ‖ ‖ Kátia Vanzini (com análise de Clara Tadayozzi) ‖ ‖ ‖ 

 

A Lei de Acesso à Informação (12.527/2011) obrigou os órgãos públicos de todos os níveis e esferas a tornar públicas as informações relacionadas às suas atividades. Com o Poder Judiciário, não foi diferente. Em 16 de dezembro de 2015, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução 215, que regulamenta a matéria e estabelece a obrigatoriedade de todos os órgãos do Poder Judiciário brasileiro de disponibilizarem informações públicas e criarem sistemas de acesso a elas. No entanto, é possível afirmar que há certa morosidade na implementação de mecanismos para cumprimento da lei. Embora a Resolução 215 busque garantir o acesso por meio de procedimentos objetivos e ágeis, com linguagem clara e fácil compreensão, os Tribunais de Justiça brasileiros ainda não atendem aos padrões mínimos de transparência recomendados pela legislação. É o que indica o relatório Caminhos da Transparência: a Lei de Acesso à Informação e os Tribunais de Justiça, produzido pela ONG Artigo 19.

Segundo o relatório, que investigou os TJ dos 27 entes federativos da União, nos quesitos Transparência Ativa, Passiva e Transparência na Função Jurisdicional foram encontrados diversos problemas com relação à ausência de informações.

No exame dos critérios que atendem o quesito “Transparência Ativa” (disponibilização de informações públicas nos sites), nenhum dos tribunais investigados atende aos seis quesitos investigados pela organização. Entre os critérios estabelecidos pela pesquisa – conteúdo executivo-orçamentário; informações institucionais; lista de documentos classificados; participação popular; perguntas e respostas mais frequentes; programas e projetos – os critérios “lista de documentos classificados” e “participação popular” foram os que obtiveram piores resultados. O critério “lista de documentos classificados” exige que seja divulgada a relação dos documentos classificados e desclassificados, o que permite saber quais são os documentos considerados sigilosos e por quanto tempo o sigilo será mantido. Dos 27 tribunais investigados, apenas o Tribunal de Justiça do Sergipe informa que não possui documentos classificados e desclassificados. No critério “participação popular”, apenas três dos 27 órgãos analisados disponibilizam formatos que incentivam a participação.

Solicitações

Já na Transparência Passiva entre os órgãos analisados (atendimento de informações por demanda feita através de solicitação formal), menos de 30% dos pedidos de informação formalizados aos Tribunais de Justiça tiveram respostas que possam ser classificadas como “acesso integral”; 12,3% dos pedidos foram parcialmente respondidos; e 56,8% não obtiveram resposta. Dos pedidos, 1,2% dos órgãos alegaram não possuir a informação solicitada.

A Transparência Jurisdicional abrange informações relacionadas à aplicação das leis e dos princípios do direito, cobrindo o acesso à informação judicial; à jurisprudência e andamento dos processos; à participação popular; à pauta de julgamentos e reuniões; e à alocação e ascensão dos magistrados. Como resultados, o relatório aponta que faltam informações “sobre a atuação jurisdicional dos órgãos do Judiciário e dos magistrados, assim como sobre os processos de designação e colocação dos magistrados para posições de direção e em cortes superiores” (p. 45).

O documento apresenta diversas recomendações para aprimorar o cumprimento da lei, incluindo a importância da participação popular e de facilitar o acesso e a compreensão das informações, tanto na linguagem utilizada, considerada pelo relatório de difícil entedimento, como pelos formatos dos documentos e dados disponibilizados.            

Os resultados revelam que, apesar dos avanços obtidos a partir da promulgação da lei 12.527/2011 em novembro de 2011, ainda são longos os caminhos para sua efetivação nos órgãos do Poder Judiciário, a começar pela lentidão em definir os parâmetros que norteiam a implementação de seus dispositivos.

O investimento cada vez mais expressivo em ações de comunicação pública governamental dos órgãos do Poder Judiciário deveria contemplar ações que motivem a implementação da lei em todos seus quesitos. Se hoje o foco das ações de comunicação pública de tribunais está voltado para as redes sociais, notadamente utilizadas para divulgação de informações institucionais e a prestação de serviços, as mídias sociais poderiam ser utilizadas também para tornar o Poder Judiciário mais transparente e próximo da população, para que deixe de ser ainda considerado como o mais opaco e fechado e que tenha condições de exercer o seu papel político e social nas decisões para as quais é solicitado e responsabilizar-se por elas de maneira transparente, buscando a inserção da sociedade em suas demandas.

 

 

Análise

Transparência: um direito negligenciado

Clara Tadayozzi

 

Os resultados do relatório da Artigo 19 declaram o caráter ainda falho das instituições públicas brasileiras quando o assunto é transparência e cumprimento de direitos estabelecidos por lei. A Constituição brasileira é bastante otimista ao prever o acesso da população às ações e decisões do governo quanto às condições do país, no entanto, essa situação favorável ao desenvolvimento da nação não é constatada na prática dos órgãos públicos que englobam o Poder Judiciário, o que expressa um cenário bastante negativo, em que a própria Justiça não cumpre o que ela mesma estabelece.

Em definição, “o Poder Judiciário é um dos três poderes do Estado a qual é atribuída a função judiciária, ou seja, a administração da Justiça na sociedade, através do cumprimento de normas e leis judiciais e constitucionais ”. A situação do Brasil se mostra extremamente controversa, com uma inversão de papéis que influencia o seu desenvolvimento e compromete a participação popular no regime dito democrático instaurado no país.

É preciso que os Tribunais de Justiça brasileiros reformulem suas estratégias de gestão, tendo como prioridade os princípios de transparência e o benefício coletivo. A Artigo 19 demonstra especial sabedoria quando afirma em seu estudo que “um Judiciário funcional, eficiente e independente é peça central em uma democracia, e a transparência perpassa cada uma dessas características”.