Pesquisa verifica impactos do marco civil da internet


‖ ‖ ‖ Augusto Junior ‖ ‖ ‖

 

O Marco Civil da Internet (MCI), lei 12.965, sancionada em 23 de abril de 2014, dispõe sobre os princípios, garantias, direitos e deveres em relação à utilização da internet no Brasil. Os usuários da rede mundial de computadores contam com um suporte legal para que seu acesso e liberdade online sejam garantidos. Sua aplicação foi examinada pela organização não-governamental Artigo 19, que publicou uma pesquisa dos impactos sobre sociedade, Estado, setor privado e Poder Judiciário.

A exigência de ordem judicial para a remoção de conteúdos de caráter danoso é uma das imposições do MCI.  O provedor que não remover produções de terceiros poderá responder civilmente. Segundo a análise, nessas circunstâncias, poucos foram os casos identificados em que provedores tenham sido punidos.

O documento relata ações contra provedores que tiveram parecer desfavorável à solicitação do reclamante. São pedidos para que sites de busca, como o Google, restringissem determinadas pesquisas. Um dos casos é o do senador Aécio Neves. No período eleitoral de 2014, ele solicitou que sites de busca não gerassem resultados para pesquisas que o relacionassem a notícias sobre desvio de recursos em seu governo em Minas Gerais. O juiz Rodrigo da Silva Martinez entendeu que impor tais limites significaria um “retrocesso à liberdade de manifestação e de informação sobre acontecimentos do mundo globalizado”.

A Artigo 19 relata que o Youtube foi condenado em 50 mil reais – mais multas diárias caso não cumprisse a determinação de retirada do conteúdo – por manter disponível, mesmo após pedidos extrajudiciais, um vídeo musical que não dava crédito ao verdadeiro autor da obra. Segundo a análise, a maior parte dos pedidos de remoção de conteúdos é, como nesse caso, decorrente de violação dos direitos autorais.

A vingança pornográfica é outra ocorrência que se destaca, sendo as mulheres as principais vítimas. Embora essa prática se dê via internet, para a Artigo 19 há normas mais adequadas do que as do MCI para tratar desses casos, como a Lei Maria da Penha.  

Desenvolvimento e acesso à internet

A internet é um meio essencial para o exercício da cidadania. Essa concepção trazida pelo MCI vem ancorada ao princípio de que o acesso e a capacitação dos cidadãos para o uso da rede devem ser agenda do poder público. Além disso, são previstas práticas de e-gov, ou seja, a utilização de mecanismos online que permitam que a sociedade consulte informações e delibere sobre pautas públicas.

O acesso à internet no Brasil teve um amplo crescimento, sobretudo em relação às conexões móveis. Segundo a Anatel, os acessos via 3G subiram de 118 milhões, em 2013, para 149 milhões, em 2014. No entanto, a Artigo 19 não constatou avanços, desde a entrada em vigor do MCI, para fortalecer o caráter essencial do serviço de internet como disposto na lei.

Certas iniciativas para assegurar o acesso são destacadas: foram verificadas ações contra operadoras de telefone móvel para que não suspendessem o acesso ao fim da cota diária. O MCI estabelece a não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização. Contudo, as empresas ignoraram a determinação e em contratos de planos de internet móvel mais recentes já preveem os cortes.

O documento cita programas públicos voltados à capacitação de usuários, ao acesso e ao desenvolvimento da internet no país. Destaca-se a Nova Política Pública de Inclusão Digital do Ministério das Comunicações, a qual focar os excluídos digitais por meio do diálogo entre políticas federais, estaduais e municipais; o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL); o Plano Banda Larga para Todos; e o Computadores para Inclusão, o qual visa a integração digital específica de crianças e adolescentes. No geral, não houve avanços significativos. Essas questões, bem como a elaboração de mecanismos de governança multiparticipativa, permanecem marcadas por projeções.

Privacidade

É previsto que os dados dos usuários de serviços de internet sejam protegidos. Eles podem ser acessados somente via autorização prévia ou sob autorização judicial. Além disso, os registros de conexão e acesso também devem ser mantidos sob sigilo, podendo as autoridades obtê-los para fins de investigação.

Uma das análises da Artigo 19 nessa categoria examinou as políticas de privacidade dos dez sites mais visitados no Brasil (Google, Facebook, Youtube, UOL, Globo.com, Yahoo!, Live.com, MercadoLivre, Wikipedia e Twitter). Por um lado, constatou-se que todos apresentam informações sobre a proteção de dados dos seus usuários. Por outro, alguns obstáculos, como a extensão e complexidades dos termos de proteção, foram identificados.

Neutralidade da rede

É dever das operadoras de telecomunicações fornecer uma navegação constante. O MCI assegura a neutralidade da rede. A velocidade do trafego, por exemplo, em um blog não pode ser menor do que em um site de uma multinacional. Nenhum tipo de interesse deve privilegiar ou prejudicar o acesso a determinadas páginas ou conteúdos.

Nesse quesito, a Artigo 19 não encontrou informações contratuais a respeito das práticas de trafego de provedoras de internet fixa no Brasil. Não foi identificado também avanços quanto à isonomia dos pacotes de dados em relação, por exemplo, ao tipo de conteúdo ou a sua origem. Segundo a pesquisa, “a prática de discriminação de pacotes de dados é ilegal por si”, mas há “a necessidade de uma análise mais constante e profunda sobre esse tipo de prática, tendo em vista que não é simples conseguir identificar discriminações de dados”.

Perspectivas e recomendações

A análise considera que a regulamentação do MCI é um dos principais pontos ainda em aberto. Para a Artigo 19, “as boas regras previstas na lei – apesar de estarem vigentes – vão se tornando exceções, à espera da regulamentação”. Debates públicos online, promovidos pelo Ministérios da Justiça e pela Anatel, já foram realizados, o que sinaliza um avanço.

A Artigo 19 identificou uma falta de conhecimentos básicos sobre o ambiente da internet por parte do Judiciário. Isso pode gerar tomada de decisões inadequadas, prejudicando os envolvidos. Portanto, é recomendada a promoção de “maior conhecimento entre o judiciário sobre questões técnicas, a fim de que suas decisões sejam proporcionais e bem embasadas, evitando potenciais violações à liberdade de expressão e abusos”.

O MCI tem ainda fundamentado a participação e solicitações da sociedade civil. A “Campanha Banda Larga é um Direito Seu!” é um exemplo. Uma de suas pautas defende que a banda larga passe a operar no regime púbico em complemento ao privado. Embora o grupo tenha se reunido com o Ministério das Comunicações no início deste ano, a solicitação ainda não foi atendida.

Em relação às regras de qualidade da conexão, indica-se a aplicação de métodos oficiais e mais eficazes de fiscalização e denúncias. Já que nem todos os usuários estão aptos a checar a velocidade de sua conexão, esses mecanismos poderiam facilitar que os cidadãos identifiquem as violações cometidas pelo provedor.

É papel das operadoras de internet fornecer informações aos usuários. A ausência ou não das práticas de gerenciamento de tráfego e mitigação em seus termos de uso e a transparência nos contratos são algumas das diretrizes que precisam ser incorporadas. Além disso, a Artigo 19 sustenta que a conscientização da sociedade sobre certos tópicos abordados pelo MCI, como a cessão de dados pessoais e a qualidade do contrato, contribui para a efetivação das normas.