O JN, o dólar e a crise


‖ ‖ ‖ Deborah Cunha Teodoro ‖ ‖ ‖

 

“Quem entende um pouco de economia e viu a comparação que o Jornal Nacional fez entre a saúde e a taxa de câmbio deve ter tido dor de estômago… Um pouco de economia nos cursos de jornalismo faria bem”. Com este comentário de um economista, doutorando na área e colega de docência, sobre a reportagem Dólar chega à cotação mais alta da história do real nesta terça, exibida no Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, em 22 de setembro de 2015, me vem à tona, mais uma vez, a qualidade do jornalismo praticado pelas Organizações Globo, detentoras de um dos maiores oligopólios da comunicação no país.

Dentro de um contexto em que se procura compreender o jornalismo e as notícias produzidas pelos profissionais deste campo, não há como recusar a visão do jornalismo enquanto manipulador dos fatos, que distorce os acontecimentos de acordo com interesses, muitas vezes, escusos. Afinal, se o jornalismo deve ser apreendido como uma atividade complexa e a notícia como uma construção da realidade social por uma comunidade interpretativa que possui conhecimentos especializados e encontra-se inserida nas organizações jornalísticas, o que explicaria a veiculação de reportagens que se mostram desprovidas de credibilidade por especialistas?

Segundo a matéria do JN, a taxa de câmbio reflete a saúde econômica de um país. Se ele vai bem, a moeda fica forte (taxa de câmbio valorizada), e quando está doente, a taxa de câmbio sobe (câmbio desvalorizado). Simplória a comparação, que deixa de lado outros fatores a serem considerados para propiciar uma informação esclarecedora ao público. Se analisada sob a óptica econômica, a tese defendida pela rede Globo leva a crer, por exemplo, que a China, Alemanha e outros países ricos também estão muito mal de saúde.

No âmbito da economia, algumas teorias mais antigas de determinação de câmbio até relacionam a taxa com a saúde das contas públicas, mas tal afirmação no contexto da reportagem em comento se mostrou equivocada e tendenciosa. “O valor da moeda é o reflexo da saúde de um país. Se a economia está forte, vigorosa, isso traz valor para a moeda, que também se fortalece. Mas quando a saúde dessa economia vai mal, a moeda fica fraca e perde valor. É exatamente isso que está acontecendo com o real”, diz a passagem da repórter Elaine Bast na matéria veiculada pelo telejornal mais assistido no país.

O tratamento recorrente dispensado às reportagens da editoria de economia leva ao descrédito o teor informativo das produções jornalísticas globais, já que os especialistas percebem claramente o quanto “William Bonner e companhia adoram falar que a situação está ruim” e, por saberem que se trata do telejornal de maior audiência no Brasil, ressaltam que “essa é a verdadeira crise, embora poucos saibam disso”. Pode-se dizer que ainda é espantoso o grau de influência das informações veiculadas pelas Organizações Globo sobre as massas, a qual se deve, em parte, ao fato de não haver alfabetização midiática nas escolas, aquela educação voltada para as crianças aprenderem, desde cedo, a ler as mídias, algo que é praticado, há tempos, em países como Inglaterra, Canadá e Austrália, mas que não há interesse em ser colocada em prática por aqui. Normalmente, apenas as pessoas que fazem algum curso da área de Comunicação ou especialistas em determinadas áreas, ao assistirem a matérias específicas destas áreas, conseguem perceber as manipulações dos grandes oligopólios de comunicação do país, como no caso analisado. “O JN sempre vai criticar… Quando o câmbio estava no patamar de 1,90, reclamava que isso prejudicava a indústria; quando alcançou 2,50, reclamou que estava ficando caro viajar; agora, com 4,0, reclama de novo. Essa é a função deles: reclamar… Ainda bem que tem gente que se preza a pensar…”, reflete o colega economista.  

Com práticas usuais neste sentido, fica resvalada a credibilidade da imprensa e apresenta-se comprometida a atuação dos profissionais de comunicação, uma vez que tais narrativas jornalísticas acabam violando direitos garantidos por lei, como o direito à informação, na vertente em que assegura às pessoas o direito de receberem informações verídicas, corretas, desprovidas de interpretações duvidosas ou falsas divulgadas pelos meios de comunicação. Isso indica, ainda, que o guia de princípios editoriais das Organizações Globo, lançado em 2011, realmente se apresenta mais como uma espécie de “defesa prévia” contra regulamentações externas efetivas do que como uma atitude de autorregulação da mídia comprometida em assegurar qualidade em suas produções de cunho jornalístico.

Graças à internet, também é possível perceber que alguns internautas atentos aos artifícios utilizados pela emissora não deixaram passar ilesa a intenção da matéria, já que dois comentários postados no site da Globo criticam o seu teor, sugerindo que os responsáveis pela reportagem tratem o assunto com seriedade e correção. “Tem alguma coisa estranha, talvez mal noticiado, peço o carinho de todos os envolvidos, para se empenharem em colocar as coisas sérias nos lugares devidos. Senão causa pânico”, assina um espectador, enquanto outro adverte de forma mais incisiva: “não é cotação mais alta não amor, 3,98 de 10/2002 corresponde a 9,20. A cotação de hoje está menos de metade dessa data. Considerando a inflação, o dólar deve ser uns 7,00. Nenhum jornalista ou economista daqui sabe ou lembra disso a não ser Eu”.