‖ ‖ ‖ Jorge Salhani ‖ ‖ ‖
Com o objetivo de aprofundar o entendimento a respeito de narrativas midiáticas que ferem direitos garantidos por lei, a Andi – Comunicação e Direitos lançou dois volumes do guia “Violações de direitos na mídia brasileira”. As publicações adquirem relevância em um contexto em que mecanismos de regulação e autorregulação da mídia são escassos, o que põe em jogo a credibilidade da imprensa e a atuação dos profissionais de comunicação.
Nos sistemas de radiodifusão brasileiros, a atividade comercial se destaca mais que a participação do público, de acordo com pesquisas, impedindo-os, muitas vezes, de suprir os interesses da população. Eles se utilizam de artifícios que violam direitos e os tornam meros “espetáculos de diversão” ou até mesmo “grotescos”, segundo alguns analistas de comunicação. Assim, de agentes promotores da democracia, alguns produtos da mídia passam a agir de maneira oposta, desconstruindo-a.
Exemplos desse fenômeno são os programas policiais televisivos e radiofônicos, enfoque do primeiro volume do guia de monitoramento. Os autores analisam o conteúdo de programas desse segmento e relatam quais tipos de violações de direitos foram cometidas por eles. Algumas das violações documentadas pelo guia são o desrespeito à presunção de inocência, a incitação ao crime e à violência, a exposição indevida de pessoas e o discurso de ódio.
Em todos os casos, os instrumentos legais que serviram de parâmetro para análise foram a legislação brasileira e legislações multilaterais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Tomemos a violação discurso de ódio e preconceito para ilustrar. O guia de monitoramento traz como exemplo um caso retirado do programa “Brasil Urgente”, da TV Bandeirantes. Nesse caso, o âncora faz referências pejorativas a crenças religiosas, incriminando – de forma generalizada – os ateus. Frases ditas pelo apresentador incluem “…ateu eu não quero assistindo meu programa”, “o sujeito que é ateu, na minha modesta opinião, não tem limites, é por isso que a gente tem esses crimes aí” e “…isso é o exemplo típico do sujeito que não acredita em Deus”. Esse discurso viola, de acordo com a publicação, os artigos 3º e 5º da Constituição Federal, o artigo 53 do Código Brasileiro de Telecomunicações, o artigo 1º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, entre outros. O mesmo procedimento é realizado com outros oito tipos de violações a direitos.
A metodologia utilizada para a coleta de material foi a análise de conteúdo, necessária para identificar, quantificar e investigar características específicas dos produtos midiáticos analisados. Foram monitorados 10 programas de rádio e 30 de TV de dez capitais do Brasil. Todo o conteúdo transmitido durante o mês de março de 2015 foi estudado.
O questionário aplicado pode ser visto no apêndice do volume I do guia de monitoramento de mídia.
Segundo volume
O segundo volume da publicação “Violações de direitos na mídia brasileira” reúne artigos escritos por pesquisadores e militantes do campo da comunicação. Os nove artigos compilados abordam com pluralidade temas relacionados à área, servindo de embasamento para a pesquisa apresentada no volume I.
O primeiro artigo, de Iara Gomes de Moura, contextualiza o segmento abordado nas publicações: os programas policiais. Segundo a autora, as principais características dos programas “policialescos” são a linguagem realística e a espetacularização dos fatos. Um dos motivos pelos quais eles se popularizaram no Brasil nos últimos dez anos é a participação do público. Em muitos desses programas, o espectador atuava como cidadão, por poder expor suas opiniões durante a transmissão.
Outros artigos presentes no guia discutem, principalmente, a regulação da mídia brasileira, a relação da legislação com a comunicação e o combate a violações de direitos na mídia.
A Andi lançou os documentos em parceria com o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.