A batalha do Centro Cívico, as redes sociais e o espetáculo


‖ ‖ ‖ Kátia Vanzini ‖ ‖ ‖

  

As redes sociais e muitos veículos de comunicação do Paraná utilizaram amplamente o termo “batalha” para ser referir às manifestações que ocorreram no dia 29 de abril no Centro Cívico, em Curitiba, quando cerca de 22 mil pessoas lotaram a região da sede da Assembleia Legislativa do Paraná para pressionar os deputados a votarem contra o projeto de lei que prevê mudanças no sistema previdenciário do funcionalismo estadual. Durante as manifestações, a ação da Polícia Militar, que atuou com balas de borracha, bombas de efeito moral e até cães pit bull, resultou em mais de 200 feridos. Ainda como resultados do evento, contabiliza-se a queda de dois secretários de Estado, o de Educação e o de Segurança Pública.

A RPC, emissora afiliada à Rede Globo, deu ampla cobertura as manifestações, o que não se repetiu, pelo menos no início, na cobertura nacional da emissora, mesma conduta repetida por outros veículos. Artigo do Observatório da Imprensa dirige a crítica ao fato de que a mídia nacional só deu ênfase às manifestações ocorridas em Curitiba quando os relatos de violência cometidos contra professores e jornalistas tomou conta das redes sociais, quando os grandes veículos foram forçados a se render à força dos vídeos e fotos compartilhados. O artigo ainda faz comparações a outros eventos onde a ação policial também se fez presente, como a desocupação da Cracolândia em São Paulo e a greve de professores da rede estadual paulista de ensino, ambas sem maiores repercussões além de, no jargão jornalístico televisivo, uma nota coberta.

De outro lado, o portal e as redes sociais da Prefeitura de Curitiba deram ampla cobertura às manifestações e suas consequências, com declarações dadas pelo prefeito Gustavo Fruet (PDT) condenando os excessos da força policial.

No entanto, pouco se falou sobre o motivo que levou milhares de professores às ruas no dia 29 de abril: o projeto de lei que visa reformar a Previdência Estadual paranaense. Indiferentes ao clamor das ruas, os deputados estaduais aprovaram, por 31 votos contra 21, o projeto de reforma do sistema previdenciário do funcionalismo público do Estado.

Os temos utilizados amplamente pelas matérias jornalísticas dão o tom do significado do dia 29 de abril de 2015. Confronto. Enfrentamento. Violência. Confusão. Caos. Palavras utilizadas para descrever os momentos vivenciados pela imprensa, manifestantes e transeuntes. As matérias de veículos de comunicação locais e nacionais deram ênfase à violência da repressão ao movimento por parte da Polícia Militar, dando destaque ao sensacionalismo, com imagens de pessoas ensanguentadas ou correndo dos ataques. A falta de aprofundamento sobre os motivos da manifestação dificulta perceber o que significa o projeto de lei e porque o funcionalismo público é contrário à proposta.

Matéria do jornal alemão Deutsche Welle, que repercute o fato de as manifestações terem sido manchete nos principais jornais internacionais, reflete que o interesse pela “Batalha do Centro Cívico” também foi voltado mais às questões que repercutiram na imprensa nacional, com enquadramentos como “guerra sem precedentes” ou “centenas de professores que protestavam fugindo enquanto granadas de efeito moral e bombas de gás lacrimogêneo explodiam no meio deles”.

Mais uma vez, o motivo que levou milhares de manifestantes a lotar as proximidades do Centro Cívico em Curitiba mereceu, quando muito, um parágrafo explicando a razão das manifestações.

O interesse da mídia em repercutir os atos violentos cometidos pela Polícia Militar contra os manifestantes é legítimo e atende aos critérios de noticiabilidade usualmente seguidos pela imprensa comercial. No entanto, a ausência de informações sobre o projeto de lei e o significado de sua aprovação no funcionalismo público faz com que o espetáculo da violência tenha tido mais valor como notícia do que os efeitos das decisões do executivo paranaense.

Há que se destacar também que é cada vez mais amplo o uso das repercussões nas redes sociais que acabam pautando os veículos tradicionais de comunicação, que podem trazer novas perspectivas aos critérios estudados para a seleção e construção de notícias, pois “o tema permanece relevante diante das atualizações necessárias para se compreender a circulação de informação num mundo dominado por dispositivos móveis e redes ubíquas. As ruas mandam notícias e impõem novos padrões” (SATUF, 2014, p.328).

 

SATUF, I. A rua manda notícias: dispositivos móveis e manifestações sociais na atualização dos critérios de noticiabilidade. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.1, p.317-329, maio 2014.