Uma língua neutra como meio de inclusão social


 ‖ ‖ ‖ Jorge Salhani ‖ ‖ ‖ 

 

Em março, mídias como The Guardian e BBC News divulgaram que os dicionários oficiais da Suécia consolidaram a presença de um pronome neutro de gênero no idioma do país, buscando a disseminação de uma linguagem inclusiva. A medida deve garantir que a comunicação seja considerada uma forte ferramenta para a manutenção da cidadania. Ela permite que todas as pessoas se sintam parte da sociedade e tenham papel cidadão ativo em suas comunidades. Pelo menos esse deveria ser o papel fundamental da comunicação, ignorado em algumas situações, conhecendo a dificuldade encontrada por alguns grupos sociais, especialmente as minorias, em ter voz ativa na sociedade. O que fazer, então, quando a comunicação deixa de ser totalmente inclusiva?

O pronome neutro entra na língua sueca como uma das soluções para este problema. Muitas línguas, como a portuguesa, apresentam uma binariedade no gênero de seus pronomes, os masculinos e os femininos. Por essa razão, algumas pessoas, especialmente da comunidade trans, têm o reconhecimento de sua identidade de gênero negado, causando-lhes desconforto ao serem obrigadas a se limitar ao uso de um pronome com o qual não se identificam.

A língua sueca, até então, possuía os pronomes “han”, masculino, e “hon”, feminino. O pronome neutro “hen” tem sido usado desde a década de 1960, mas ganhou força nos últimos anos com o ativismo da comunidade trans. O uso pronome é tão difundido atualmente que ele ultrapassa o âmbito do ativismo trans e feminista, sendo implementado em textos oficiais, legais e também pela imprensa e livros. O seu uso vai além ser servir como solução para problemas de identidade de gênero: “hen” pode ser aplicado em um texto em que o gênero das pessoas seja desconhecido ou irrelevante para sua compreensão.

O uso do pronome neutro é apoiado por pessoas que consideram a língua sexista. No português, por exemplo, há predominância do gênero masculino no discurso. Um grupo constituído por várias mulheres e apenas um homem é referido pelo pronome pessoal masculino “eles”, desconsiderando a presença das mulheres e o uso do pronome “elas”. Essa situação específica não acontece nas línguas inglesa e alemã, por exemplo, que se utilizam do mesmo pronome para seres masculinos e femininos na terceira pessoa do plural. Ainda assim, há diferenciação de gênero nas pessoas do singular.

Algumas soluções são cogitadas para colaborar com a neutralidade das línguas. Uma muito comum é o uso da barra ou parênteses, como em “os(as) alunos(as)”. O problema com esta tentativa de solução é a divisão binária dos gêneros, limitando as pessoas a se definirem, obrigatoriamente, como masculinas ou femininas. Há ainda propostas para a diferenciação na pronúncia de pronomes e palavras de outras classes gramaticais, como “êla” (junção dos pronomes “ele” e “ela”), a supressão da vogal determinante de gênero (“dele”, por exemplo, ficaria “del”) ou a substituição dessa vogal por –e (as palavras “menino” e “menina” se tornam “menine”).

As formas de neutralização da língua mais comuns atualmente no português – e também no espanhol – são a troca da vogal –o e –a pela letra x ou pela arroba (@). Em um e-mail, por exemplo, a saudação “Caros amigos” se tornaria “Carxs amigxs” ou ainda “Car@s amig@s”. Muitos priorizam o uso do x sobre a arroba, afirmando que a letra possui um caráter mais forte de neutralidade, já que a arroba se constitui de uma vogal “o” em torno de um “a”, reafirmando a binariedade nos gêneros.

Vale atentar que não é somente pelo uso de uma linguagem neutra inclusiva que discriminações sexistas e de gênero deixarão de existir na sociedade. Na língua portuguesa não existe um pronome neutro oficial, e no Brasil não é obrigatório o uso da linguagem inclusiva, mas, a fim de evitar exclusão de certos grupos, é fundamental que os discursos sejam livres de qualquer preconceito. Uma medida jurídica recente, tomada pela Secretaria de Direitos Humanos brasileira visando a garantia de maior inclusão social, foi a Resolução 12 do Conselho Nacional do Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos das LGBTs, que garante o reconhecimento do nome social de travestis, transexuais e transgêneros em espaços sociais, como escolas e universidades, assim como o uso de banheiros ou vestiários condizentes a suas identidades de gênero.