Regulamentação é denominador comum de mídia e gênero


‖ ‖ ‖ Emanuelly Falqueto ‖ ‖ ‖ 

 

 

Quando pensamos nos direitos dos cidadãos em relação ao acesso à informação, a ausência de representações ou retratos distorcidos nos leva a um denominador comum: a necessidade de regular os meios de comunicação, para conseguirmos ampliar as conquistas dos direitos humanos. As formas de regulamentação que lidam com a comunicação como instrumento para a construção da igualdade de gênero são objeto do livro “Políticas públicas de comunicación y género en América Latina: um camino por recorrer”, organizado pela jornalista Sandra Chaher.

A publicação, lançada pela Asociación Civil Comunicación para la Igualdad, com o apoio da Fundação Friedrich Ebert, está disponível online em versão em espanhol e espanhol/inglês.

O texto, em espanhol, fornece instrumentos para a discussão da comunicação e gênero delineia um panorama sobre as regulamentações e políticas públicas de gênero na Argentina, Brasil, Colômbia, México, Uruguai e Venezuela.

O ponto de partida da obra foi a conquista dos marcos regulatórios argentinos de 2009, com a implementação de duas leis: a Lei de Proteção Integral contra Violência (Ley de Protección Integral de la Violencia contra las Mujeres em los Ámbitos en que se Desarrollan las Relaciones Interpersonales) e a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisuais. Ambas trazem artigos sobre a discriminação de gênero nos meios de comunicação. O primeiro capítulo, escrito por Sandra Chaher, enfoca o avanço trazido pelo reconhecimento da violência simbólica, que produz discursos enviesados sobre gênero.

Já no segundo capítulo, Rachel Moreno argumenta que no Brasil os movimentos sociais são historicamente ignorados pela mídia e, quando são mencionados, aparecem de forma criminalizada. Os meios excluem imagens de mulheres que não pertençam ao padrão dominante de beleza, que significa ser jovem, loira e esbelta. O espaço limitado e com representações estereotipadas nos veículos de comunicação traz consequências, aponta Moreno, como erotização infantil, desenvolvimento de distúrbios alimentares (bulimia e anorexia) e a redução da cidadania das mulheres ao status de consumidoras. Além disso, a autora comenta as implicações da ausência de regulamentação da mídia no Brasil, como monopólios e oligopólios na radiodifusão.

O cenário colombiano é retratado no capítulo escrito por Juliana Martinez. A autora argumenta sobre a importância dos movimentos organizados para os avanços nas discussões das políticas públicas de comunicação e gênero, como a Red Colombiana de Periodistas com Visión de Género. A Red trabalhou com a bancada legislativa de mulheres para aprovação da lei 1257/2008, que busca eliminar todas as formas de violência contra as mulheres.  Já o caso mexicano é discutido por Aimée Veja Montiel, no quarto capítulo. A autora enfatiza a necessidade de tornar transversal a Lei das Telecomunicações e Radiodifusão com a perspectiva de gênero.

A obra aborda as políticas públicas no Uruguai, com o texto de Lilián Celiberti, para quem “la democracia exige del Estado no solo velar por la distribuición equitativa de la riqueza sino procurar uma distribuición equitativa de la palabra” (p. 70). Assim, a autora indica que, apenas com a pluralidade de vozes, diversidade e leis contra os monopólios dos veículos de comunicação, será possível o exercício do direito a informação e, consequentemente, a construção da igualdade de gênero.

Encerrando a obra, o texto de Luisa Kislinger traz a conjuntura venezuelana, que envolve questões políticas conflituosas. O marco regulatório da Venezuela foi apresentado em 2004, pelo então presidente Hugo Chavéz, e elaborado no contexto da luta entre o presidente e os veículos de comunicação, que faziam forte oposição a ele. Por isso, a Lei de Responsabilidade Social do Radio e Televisão é polêmica e deve ser discutida pela sociedade. A partir dessa contextualização, Kislinger indica políticas públicas voltadas para a área. Ela ressalta que ainda é preciso consolidar a igualdade de gênero por meio de uma comunicação mais plural, a qual só será realizada com o desenvolvimento e aprovação dos marcos regulatórios.

Liberdade de expressão

Um tema que permeia os capítulos da obra é a liberdade de expressão, muitas vezes usada como escudo pelos proprietários dos veículos de comunicação para qualificar como tentativa de censura as discussões sobre a regulamentação dos veículos de comunicação. Lilian Celiberti chama esse conflito de irônico, pois a liberdade de expressão devia colaborar com a garantia dos direitos dos cidadãos e não o contrário: “la ironía es que el concepto de libertad de expresión, nació para proteger la calidad del debate público y garantizar la presencia del/la ciudadano/a común en él, y es precisamente este derecho a la comunicación el que se restringe cuando no existen regulaciones que protejan el acceso de la diversidad de actores a los médios” (p. 70).

O livro serve de matéria prima para a pesquisa e militância ao delinear o panorama das políticas públicas de comunicação e gênero na América Latina. Frisa a importância de estabelecer tais políticas para a construção da igualdade, por meio da eliminação da violência simbólica que exclui a mulher, erotiza-a, e estabelece padrões inatingíveis de beleza. Além disso, a obra traz documentos internacionais, como o Informe Global sobre a situação das Mulheres nos meios de comunicação, elaborado em 2011, pela Fundação Internacional de Mulheres na Mídia (IWMF) e outras redes espalhadas no território latino engajadas com essa causa.

Para estudantes, pesquisadores e pessoas interessadas no debate e consolidação dos direitos humanos destaca-se o apelo feito por Aimée Veja Montiel: “asimismo, en mi experiencia he aprendido que es importante transformar nuestros resultados de investigación en acciones políticas, lo que únicamente sucede si existe um riguroso trabajo teórico-metodológico detrás. En este sentido, he aprendido que los datos cuantitativos tienen una importancia política cuando tratamos de convencer a quienes toman las decisiones. Por eso, hago un llamado desde aquí a ilustrarnos, a ser muy consistentes para transformar las estructuras institucionales y desmontar el poder patriarcal” (p. 67).

 

Na imagem, detalhe da capa do livro, de autoria de

Alicia Cittadini. “Murga”. Serie Muñecotes desorientados.

Óleo 25 x 30 cm. Colección de la artista. 2006. http://www.aliciacittadini.it