‖ ‖ ‖ Felipe Altarugio ‖ ‖ ‖
Em março de 2013, a jornalista Andrea Dip entrevista uma advogada. O tema da entrevista, que era o papel da mulher na Copa, converteu-se em uma denúncia feita pela entrevistada: de que haveria aliciamento de mulheres para elaborados esquemas de exploração e turismo sexual, e que muitas dessas mulheres seriam menores de idade.
Dessa maneira começa a reportagem em quadrinhos Meninas em Jogo, lançada pela Agência Pública em maio de 2014. Com o objetivo de denunciar o esquema de exploração sexual em Fortaleza e evidenciar o machismo da sociedade e como ele vitimiza mulheres diariamente, Andrea decide publicar, com a ajuda do desenhista Alexandre de Maio, uma narrativa sobre o problema.
Um dos aspectos mais interessantes da reportagem é o acompanhamento de todo o processo jornalístico: a trajetória de Andreia, suas viagens, entrevistas, descobertas e frustrações ao longo da elaboração das matérias.
A narrativa é estruturada em capítulos, que passam pelo processo de construção da reportagem. O prólogo, por exemplo, enfoca como foram definidos a pauta e o formato. O leitor acompanha o processo de estabelecimento de uma hipótese jornalística, que começa a ser confirmada ainda no prólogo, com a entrevista, retratada mais como uma conversa, com Monica Sillan, ex-presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. A partir do primeiro capítulo, intitulado Quem é quem no jogo, a reportagem apresenta a estrutura do esquema, utilizando estatísticas, dados oficiais e entrevistas.
É retratado na reportagem o cuidado da equipe ao entrevistar as meninas vítimas de abuso sexual, ao mesmo tempo em que se constrói, sutilmente, uma crítica ao modo com que temas desse tipo são abordados pela imprensa: muitas vezes, o jornalismo, do modo como é feito, acaba por revitimizar o entrevistado, já que com frequência não se preocupa com o estado psicológico de fontes em situação de vulnerabilidade. Isso fica claro no segundo capítulo (Meninas em Jogo), no qual são entrevistadas apenas meninas que já estavam em abrigos, consideradas menos vulneráveis psicológica e fisicamente.
Dessa maneira, a construção narrativa se diferencia da estrutura tradicional de reportagem, em que o repórter cumpre estritamente o papel de apurador dos fatos. Andreia Dip se torna personagem de sua própria matéria, e isso faz com que o leitor seja capaz de participar de toda a investigação, vivenciando os altos e baixos que fazem parte do ofício jornalístico.
A dimensão gráfica também faz o leitor imergir na história. Mesmo em quadrinhos, a reportagem segue uma estrutura jornalística bem definida em relação à apresentação e identificação de fontes e construção de cenários. Cada vez em que um lugar é citado, seja pela jornalista ou por um entrevistado, temos a apresentação desse cenário. O artista recorre ao retrato de imagens famosas de Fortaleza, como o estádio do Castelão e as praias, o que ajuda o leitor a se situar no ambiente da narração.
A opção pelos quadrinhos contribui com o aspecto denunciador do gênero investigativo do jornalismo, ao passo que a alteração de cenários, nomes e rostos não configuram prejuízo à narrativa. Uma HQ oferece liberdade maior ao jornalismo e também às fontes, além de constituir importante fator de ambientação do leitor, sem ferir a objetividade do discurso jornalístico. A visualidade das histórias renova a abordagem de um tema sério e sempre atual: o machismo e suas influências, desde as mais sutis até as mais drásticas, na sociedade.