Estudo analisa papel do cinema na construção de identidades


‖ ‖ ‖ Lucas Sant’Ana Nunes ‖ ‖ ‖ 

 

O cinema traz impactos culturais expressivos para a vida cotidiana, o que faz dele objeto de intenso debate em ambiente acadêmico. Diversas teorias foram elaboradas com a proposta de desvendar como operam as representações midiáticas e seus mecanismos de produção de sentido, como se realiza a significação no cinema e sua recepção.

As iniciativas que se voltam para a relação entre cinema e sociedade convergem para o fato de que as peças fílmicas se constituem tanto em elementos dinamizadores da cultura quanto reflexo da própria cultura. A obra cinematográfica adota procedimentos que geram uma impressão de realidade que deve ser assumida pelo público. O empenho em impressionar a plateia pode ser entendido inclusive como uma operação de caráter ideológico. Os limites entre o encenado e o vivido na concretude cotidiana tendem a tornar-se mais fluidos devido aos procedimentos de espetacularização e mitificação de personagens, valores de ordem ético-moral e cenários.

Em outras palavras, o cinema pode construir, desconstruir, afirmar, desenvolver ou até mesmo negar identidades através de seus processos de produção de sentido, além de tornar a experiência do filme uma vivência real, trazendo desdobramentos para a vida em sociedade, uma vez que fornece quadros de referência para o cotidiano.

Neste artigo, originado a partir do projeto de mestrado do autor, são discutidas a representação e a construção de identidades no cinema, além dos impactos socioculturais ocasionados pela sétima arte, traçando um panorama sobre como a profissão de relações públicas é representada por uma filmografia recente.

Dessa forma, ao analisar os filmes mais recentes que trazem profissionais de relações públicas em seu enredo como “O articulador” (“People I Know” – 2002), “Obrigado por fumar” (“Thank you for smoking” – 2005) e “Tudo pelo Poder” (“Ides of March” – 2011), podem ser encontrados alguns traços que identificam percepções da sociedade e da indústria cinematográfica sobre a profissão.

Em “O articulador”, o personagem de Eli Wurman, vivido por Al Pacino, é um famoso relações-públicas que trabalha em Nova York e está passando por um momento ruim em sua vida profissional. Após uma trajetória de sucesso na área de comunicação, Eli se volta a pequenos trabalhos e eventos beneficentes, apresentando apenas um grande cliente, Cary Launer, personagem de Ryan O’Neil, que na trama é um ator renomado e ganhador de um Oscar. No decorrer da narrativa, Eli Wurman se torna involuntariamente testemunha de um assassinato que pode incriminar seu cliente, que planejava construir uma carreira política se candidatando ao Senado. No contexto diegético do filme, os comportamentos das “estrelas” parecem ser friamente estudados e calculados; aparições na mídia são negociadas e escândalos são encobertos a todo custo. Neste ambiente, Eli cumpre o papel de transformar personalidades antiéticas e aproveitadoras em figuras aclamadas pelo público, conquistando uma reputação favorável a seus clientes. O filme carrega uma crítica, que deixa a desejar em sua contundência, ao lado manipulador do show business e ao mercado de assessoria de imprensa.

Em “Obrigado por fumar”, Nick Naylor, personagem interpretado por Aaron Eckhart, é o principal porta-voz de grandes empresas de cigarros. Desafiado pelos vigilantes da saúde e também por um senador, Ortolan Finistirre (William H. Macy), que deseja colocar rótulos de veneno nos maços de cigarros, Nick passa a manipular informações de forma a diminuir os riscos do cigarro em programas de TV, além de fazer com que o cigarro seja promovido em filmes hollywoodianos através de seus contatos com a indústria cinematográfica. A película retrata o universo do lobbying na indústria dos cigarros, bebidas e armas nos EUA, mostrando como os profissionais de comunicação realizam estratégias para conquistar uma imagem positiva de suas empresas.

Já em “Tudo pelo Poder”, o diretor de comunicação Stephen Myers, interpretado por Ryan Gosling, é um idealista. Apaixonado por política, trabalha como assessor de imprensa para Mike Morris, representado na película por George Clooney, governador democrata, candidato a corrida presidencial nos Estados Unidos. O filme centra sua encenação no jogo político permeado por trapaças ao qual o personagem Stephen Myers vai lentamente se integrando, cedendo à perspectiva de carreira bem-sucedida na política, em detrimento de seus princípios e valores. Novamente, o profissional de comunicação que desempenha funções de relações públicas se vê obrigado a participar de artimanhas e estratagemas antiéticos para continuar no jogo político. O destaque fica para os bastidores do jogo político, as estratégias de comunicação e as formas de persuasão utilizadas para construir a imagem dos candidatos.

O que se pode observar nesta recente filmografia é o predomínio da estereotipia da atividade de RP, retratando somente uma faceta de manipulação e falta de transparência, em que é transmitida a ideia de que para promover a imagem e reputação de organizações e pessoas é necessário se valer de joguetes políticos e estratégias antiéticas.

Pode-se analisar que as temáticas dos filmes associam a atuação profissional ao lobby e gestão de campanhas políticas, fato recorrente em outras épocas do cinema, que mostra certo fascínio da indústria cinematográfica sobre tais temas, em detrimento de outras questões.

Conclui-se que tais produções trazem em seu interior estereótipos que podem influenciar a forma como a sociedade e os próprios relações públicas veem a profissão. Em outros termos, o cinema visto como construção simbólica pode privilegiar certas imagens, que neste caso contribuem para projetar somente uma das facetas da profissão, em detrimento de outros pontos de vista. Contudo, existe a necessidade de descortinar e analisar a fundo tais representações no cinema, o que merece um estudo pormenorizado sobre como estas construções simbólicas impactam a realidade da profissão.