‖ ‖ ‖ Daniele Seridório ‖ ‖ ‖
Vanderlei está desempregado, fora despedido de seu último emprego, pois a terra já não rendia mais frutos ao patrão. Em uma conversa no bar da cidade, um sujeito chamado Roberval lhe oferece um emprego na cidade grande – 1000 reais por mês, com moradia e alimentação inclusas. Vanderlei parte para prosperidade, em busca de uma vida melhor.
Vanderlei é o personagem principal de um jogo digital lançado pelo programa “Escravo, nem pensar”, da ONG Repórter Brasil. No game o objetivo é conscientizar Vanderlei e seus colegas de trabalho sobre as suas condições de trabalho e planejar uma fuga.
São duas opções de rodadas: uma do trabalho rural e outra do trabalho na cidade grande. Na fazenda, Vanderlei trabalha cercando a propriedade. Na cidade, como pedreiro. Nas duas situações os colegas de trabalho são os mesmos, o capataz se chama Marcão e o responsável pelas condições dos trabalhadores, Pedrão.
O jogo, que pode ser baixado gratuitamente aqui, é pioneiro ao abordar o tema, acrescentando à iniciativa do programa “Escravo, nem pensar” a estratégia do newsgame para a conscientização. O newsgame é uma forma de jornalismo digital que cria jogos a partir de narrativas interativas, fazendo com que o receptor interaja com a informação.
O jornalista Henrique Tobias esclarece que um game ideal deve oferecer simulação. “Isso significa que há nele potencial para múltiplas narrativas interativas, que em conjunto carregam a significação da realidade que se pretende simular. Isso é característica primordial no newsgame”. Henrique estudou os newsgames em seu trabalho de conclusão de curso, onde analisou projetos desenvolvidos pela revista Superinteressante. O game “Escravo, nem pensar” entra para a lista de newsgames nacionais, pois a libertação e escolhas de Vanderlei dependem do usuário que o manipula.
O programa “Escravo, nem pensar” teve início em 2004 em parceria com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Em 2008, o programa foi incluído no 2º Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo.
No jogo, o usuário vive a angústia de trabalhar em péssimas condições, vê sua dívida com o empregador crescer constantemente e o seu indicie de dignidade diminuir. A música de trilha sonora complementa a imersão na realidade de tantos Vanderleis. O fato é que a interação facilita a imersão e a consequente compreensão da realidade dos trabalhadores escravos contemporâneos.
O Brasil foi um dos últimos países independentes a abolir legalmente a escravidão, em 1888, mas foi um dos primeiros a reconhecer frente à Organização Internacional do Trabalho (OIT) que ainda existem trabalhadores em situações análogas à escravidão em seu território, em 1995. De 1995 a 2013, o Ministério do Trabalho realizou 1.572 operações de fiscalização de trabalho escravo, e 46 mil trabalhadores foram libertados.