‖ ‖ ‖ Bruna Giorgi ‖ ‖ ‖
A mulher conquista direitos e poder de decisão em grande parte do planeta. Mas sua crescente liberdade não condiz com a busca incessante da beleza padronizada pela mídia impressa especializada. Cabelos brilhantes, pele lisa e corpo magro são características que moldam o estereótipo de mulheres nas capas de revistas femininas. Além de denotar incompatibilidade cultural, o excesso de magreza das modelos provoca síndromes graves na saúde, principalmente de jovens que buscam o corpo delgado.
A liberdade conquistada a tanto custo – que ainda precisa ser ampliada – é paradoxal: as mulheres conquistaram grandes postos, mas não podem comer e nem envelhecer naturalmente. Que autonomia é essa que abriga a contradição de que, para ser bonita, é preciso ter um determinado corpo e permanecer jovem?
A questão provocou preocupações e ações dispersas pelo mundo todo. Em 2008, a então ministra da saúde da França, Roselyne Bachelot, desenvolveu a Carta de compromisso voluntário sobre a imagem do corpo e contra a anorexia, mais tarde endossada por agências de moda, publicitários e meios de comunicação. A iniciativa selou o compromisso compartilhado, não obrigatório, com o objetivo de combater os altos índices de anorexia, já que havia uma crítica generalizada à magreza excessiva das modelos nos desfiles de moda.
Em Israel, uma lei de 2012 estabeleceu o Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 18,5 como requisito para modelos e ordenou a comunicação transparente de uso de recursos gráficos para reduzir medidas em anúncios ou revistas. Na Itália, foi estabelecido o mesmo requisito de IMC e a idade mínima de 16 anos para as modelos desfilarem.
Influenciada por essas medidas, em janeiro deste ano, a Revista Ya, uma das mais lidas publicações femininas do Chile, criou a Campanha de Boas Práticas. Essa ação excluiu o Photoshop das páginas editoriais e priorizou a pluralidade das belezas, seja cultural-étnica ou de idade. Em entrevista para BBC Mundo, a editora das revistas do El Mercurio – um grupo chileno de jornais e revistas – Paula Escobar Chavarría explicou que a Revista Ya foi pensada para pautar a mulher do século XXI, moderna e firme, como a presidente Michelle Bachelat e a empresária e ativista Sheryl Sandberg. “Mas, quando chegávamos às páginas de moda e beleza – as editorias tradicionais das revistas femininas desde há cem anos ou mais – as propostas contradiziam nossos princípios: até então essas matérias eram produzidas com modelos de 15 anos, muito magras e que, pior, eram afinadas e rejuvenescidas ainda mais por técnicas de Photoshop, que alguns fotógrafos externos – que mesmo com os nossos pedidos – utilizavam”, comenta.
A Campanha de Boas Práticas é uma iniciativa de autorregulação de mídia inédita do Chile. A Revista Ya se comprometeu a contratar apenas modelos com idade superior a 18 anos, com IMC acima de 18,5; a não usar imagens com Photoshop, e refletir sobre a imagem da mulher nos meios através de um seminário anual.
De acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, a população brasileira é composta por 50,7% de pardos e negros. Além de todos os motivos históricos e a construção da identidade cultural do brasileiro, esse dado revela a importância em destacar os traços dominantes na população brasileira. Em contrapartida, as capas de revistas e anúncios de moda e beleza nacionais usam predominantemente modelos com padrões europeus: brancas, magras, jovens e loiras.
Esse arquétipo fomenta uma dúvida: a brasileira se vê representada nas capas das revistas? E não só apenas pela predominância negra renegada editorialmente, mas também pela preferência de mulheres que aparentam ser jovens e atléticas. No país, já houve polêmicas resultantes do uso indevido do Photoshop. Recentemente, uma campanha iniciada pela revista Vanity Fair influenciou a Revista Glamour, da editora Globo, a divulgar fotos de famosas nacionais sem maquiagem e sem Photoshop. A repercussão foi enorme, suscitando a discussão sobre a beleza natural entre as leitoras.
A mulher nas mídias especializadas é pautada como moderna, renovada pelo século XXI, mãe, trabalhadora e esposa, executando todas as suas tarefas com sucesso. Entretanto, tamanha liberdade e autonomia são desfeitas nas editorias de moda e beleza. A brasileira é conhecida como encorpada, de pele morena, cabelos cacheados e altura baixa, diferente de como é veiculada nas capas das revistas.
Do outro lado, quem gosta de se sentir envelhecido? O estereótipo de rosto sem rugas e cabelos brancos ultrapassa a vaidade feminina. É bem possível que a brasileira não se sinta representada pelas capas de revistas. Surge daí uma questão circular: a brasileira não se sente representada por que não há revistas de circulação de massa que desenvolva projetos como da Revista Ya ou não há revistas que sigam o exemplo chileno porque as brasileiras optam pela padronização internacional da beleza?
Apoiar uma campanha de boas práticas nas revistas como fez o Chile exigiria, primeiramente, uma publicação feminina que fosse genuinamente brasileira, já que a maioria dos títulos é vinculada a publicações estrangeiras, como é o caso de revistas como Glamour, Nova e Marie Claire. Assim, seria uma forma de incentivar a diversidade cultural, étnica e de belezas que são características marcantes do Brasil, de colonização marcada pela convivência entre europeus, africanos e indígenas. O Photoshop transformou-se marca de uma sociedade, globalizada e que exige padrões dominantes ultrapassados. “Ser bonita sem ser perfeita” é uma tarefa a ser reconstruída dentro de veículos de comunicação, promovendo a discussão da imagem da mulher como um todo. Essa reflexão parte principalmente dos grandes formadores de tendências, as mídias.
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Em tempo: O nascimento de Vênus, pintura de Sandro Botticelli (1445–1510) que enriquece este texto, deve ser um caso precursor de idealização da figura feminina, mas por outros motivos, que permanecem igualmente controversos.