‖ ‖ ‖ Kátia Vanzini ‖ ‖ ‖
O debate sobre a comunicação pública e os serviços públicos de radiodifusão, visando à pluralidade, participação cidadã e interesses da sociedade não é novo no Brasil e com certa frequência vem à tona em eventos diversos. Em abril, o Ciclo de Debates Comunicação, Regulação e Democracia, promovido pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, reuniu no painel “Comunicação pública: atualidades e perspectivas” nomes como Venício de Lima (coordenador do Núcleo de Estudos de Mídia e Política da UnB), Bia Barbosa (coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social) e Gabriel Priolli (consultor em comunicação).
A partir de três elementos considerados estruturantes da comunicação pública – autonomia, programação e participação social – os panelistas abordaram temas como legislações específicas para o setor; independência financeira de governos, do mercado e de verbas publicitárias; e promoção de serviços de radiodifusão (pública ou privada) de caráter educativo, cultural, informativo e artístico, com valorização à cultura local e formação do público receptor. O quadro levantado durante o painel revela mais lacunas que soluções efetivas para o setor, realidade que tem sido apontada por pesquisas brasileiras.
Ramos (2007) faz uma retrospectiva das políticas públicas que marcaram os serviços de radiodifusão no Brasil, destacando que o sistema nasceu privado, em 1923, com a inauguração da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. No governo Vargas, o populismo marcou a interferência do Estado. Só em 1962 foi aprovada uma legislação com o objetivo regulamentar os serviços de rádio, TV, telefonia e transmissão de dados – o Código Brasileiro de Telecomunicações – CBT, que regeu o setor no período de 1962 a 1997
A Constituição Federal de 1988 buscou redefinir o papel do Estado em disciplinar o setor. Conforme o artigo 21, cabe à União “explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de informações por entidades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União”. Os serviços de radiodifusão sonora, de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações têm sua exploração, mediante autorização, concessão ou permissão, também como competência da União.
Lima (2012, p.58) acentua que políticas públicas de mídia fazem parte da intervenção do Estado “através de normas legais com o objetivo de regular as atividades das empresas privadas que exploram o serviço público de rádio e televisão”. O autor cita os principais artigos da CF de 1988 sobre a matéria – 220, 221, 222, 223 e 224 – como tentativas de implementação de políticas públicas, pontuando, porém, que a falta de regulação tornou inexistente a aplicação de tais preceitos constitucionais.
Quase dez anos após a promulgação da CF de 1988, a Lei 9.472/97, conhecida como Lei Geral das Telecomunicações, cria a Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações, mas pouco modificou a legislação referente à radiodifusão.
Conselhos de comunicação
Os mecanismos de incentivo à participação cidadã na programação da mídia pública também foram abordados pelo painel realizado em abril. Segundo Venício Lima, embora previsto pela Constituição Federal de 1988 (artigo 224), o Conselho de Comunicação Social funciona precariamente como órgão auxiliar do Congresso Nacional. Sobre os conselhos estaduais e municipais, embora sejam “órgãos de assessoramento dos Poderes Executivos na formulação de políticas regionais e municipais de comunicação social” (LIMA, 2012, p. 65), a falta ou a precariedade de funcionamento de iniciativas nesse sentido revelam a continuidade ainda hoje, da cultura do silêncio, numa sociedade que “nega a comunicação e o diálogo” (LIMA, 2012, p. 67).
Por fim, as autoridades manifestaram a preocupação com a falta de investimento na infraestrutura das emissoras públicas de radiodifusão e a ausência de políticas públicas que incentivem a promoção de suas atividades voltadas ao interesse público.
As discussões do Ciclo de Debates sugerem que, apesar do ocupar um papel central em uma sociedade democrática – pois os serviços de rádio e TV são de interesse público – ainda não existem no Brasil medidas que busquem uma maior pluralidade no acesso à informação, onde a programação não dependa exclusivamente dos números da audiência e do mercado publicitário.
O que se percebe através de estudos é que, na prática, pouco se faz para que a exploração de serviços de broadcasting público esteja próxima a realidades como a da BBC, no Reino Unido, a qual, “mesmo submetida a pressões contrárias cada vez mais fortes, consegue sobreviver em toda a Europa Ocidental […]. Para manter essa posição ela tem até hoje, como referência, os princípios básicos do rádio como serviço público”. (LEAL FILHO, 1997, p.84), os quais determinavam que, sendo “veículos de produção cultural de um povo ou de uma nação, e para exercerem essa tarefa não podem ser contaminados por interferências políticas ou comerciais” (LEAL FILHO, 1997, p. 17).
Referências
BRASIL. Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962. Institui o Código Brasileiro de Telecomunicações. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05. out. 1962.
LEAL FILHO, L. A melhor TV do mundo. São Paulo: Summus, 1997.
LIMA, V. Políticas de Mídia e Cidadania. In: SOARES, M.C.; VICENTE, M.M; NAPOLITANO, C.; ROTHBERG, D. (orgs.). Mídia e cidadania. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012.
RAMOS, M. Sobre a importância de repensar e renovar a ideia de sociedade civil. In: RAMOS, M; SANTOS, S. (orgs.). Políticas de comunicação. Buscas teóricas e práticas. São Paulo: Paulus, 2007.