‖ ‖ ‖ Mariane Bovoloni Dias ‖ ‖ ‖
Lançado em abril, o filme brasileiro “Hoje eu quero voltar sozinho”, escrito e dirigido por Daniel Ribeiro, tem como personagem principal o adolescente cego Léo e aborda a amizade de três jovens, a descoberta da sexualidade e a ânsia por liberdade.
O longa-metragem foi uma continuação do curta “Eu não quero voltar sozinho”, premiado no Festival Paulínia de Cinema e no Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo. Já o longa estreou no Festival de Berlim em fevereiro e saiu com o Fipresci (Prêmio da Crítica Internacional) e o Teddy Bear, para filmes com temática ou personagens GLBT.
Esta análise foi realizada em duas matérias jornalísticas escritas por ocasião da estreia do filme, veiculadas pelos sites “O Globo” e “Estadão” no mês de abril. Buscou-se entender como a produção de Daniel Ribeiro foi avaliada pelos jornalistas especializados em cultura.
No dia 9, o site “O Globo” publicou a matéria intitulada “‘Hoje eu quero voltar sozinho’ é crônica do amadurecimento juvenil”. Com foco sobre a narrativa do filme, o jornalista considera que o roteiro traça “uma observação profunda e delicada do processo de amadurecimento”, e que Daniel Ribeiro “tem um olhar perspicaz — especialmente dentro do ambiente escolar, onde constrói personagens extremamente críveis”.
O filme é visto como um caso raro no cinema brasileiro, tanto por sua temática homossexual como pelo nível intimista ao retratar tais descobertas da sexualidade. O diretor recebe elogios pela segurança com que conduz as cenas, caminhando entre o “emotivo e o piegas”, mas sem se voltar para o segundo. O longa seria “complexo em sua essência e simples em sua forma — uma equação que poucos diretores conseguem resolver de forma tão eficiente”. Além de Daniel, o amadurecimento dos atores também é elogiado.
A matéria do “Estadão” foi veiculada no dia 10 com o título “Estreia ‘Hoje Eu Quero Voltar Sozinho’, que virou fenômeno ao abordar tema das minorias”. Diferente de focar a narrativa da obra, esta matéria foca nas questões de mercado. Cita que o filme estrearia em 140 salas: um número baixo se comparado a lançamentos internacionais, porém alto para a distribuidora Vitrine, de Sílvia Cruz.
O jornalista é mais contido em seus elogios. Escreve que não é necessário ser militante de causas homossexuais para apreciar o filme, basta “gostar de cinema, e de gente”. A produção conteria um formato peculiar, marcado por uma “estética do afeto que impregna as ações”. Seria por isso que jornalistas de todo o mundo teriam se envolvido por seu enredo.
Aqui encontramos a primeira crítica. Sem especificar fontes, a matéria sustenta que “alguns críticos” reclamaram que o contexto do longa é “branco, urbano e retrata uma classe média alta”. Esta questão, porém, não é desenvolvida.
Um caso peculiar de cinema
“Hoje eu quero voltar sozinho” possui uma atmosfera delicada e personagens verossímeis. Em meio a mochilas e livros escolares, acompanhamos as caminhadas de Léo e Giovana, sua melhor amiga, em vários dias após as aulas. Depois há a chegada de Gabriel, o aluno novo por quem Léo se apaixona.
Mais do que a descoberta da sexualidade, a narrativa do longa tem como foco a liberdade. É como andar de bicicleta, uma cena que logo vem à mente dos espectadores do filme. No início, sentindo-se preso, Léo está inseguro. Porém, conforme conquista mais espaço e liberdade, passa a comandar sua própria vida e, em consequência, a bicicleta.
O filme também tem sons bem marcados que se destacam: a máquina de escrever em braile, o som da bengala quicando no chão, a voz de Gabriel entrando na sala de aula pela primeira vez e a trilha sonora da banda escocesa “Belle e Sebastian” com a música “There’s to much love”. Tudo isso nos apresenta o mundo de Léo, onde são os sons que representam a realidade.
Em suma, pode-se concluir que estas duas matérias se mostram elogiosas ao filme em todos os seus aspectos: atores, enredo, diretor. Os prêmios que o longa conquistou em festivais internacionais são citados para dar força aos argumentos. Críticas, quando aparecem, não são desenvolvidas.
Utilizando as palavras dos próprios jornalistas, “Hoje eu quero voltar sozinho” transcende a temática adolescente de descoberta da sexualidade e se torna “fenômeno” e “crônica do amadurecimento”, um caso peculiar no cinema brasileiro.