‖ ‖ ‖ Mariane Bovoloni Dias ‖ ‖ ‖
Lançado em dezembro de 2013, “Azul é a cor mais quente” é uma produção francesa dirigida pelo franco-tunisiano Abdellatif Kechiche, famoso por outros longas como “Vênus Negra” e “O Segredo do Grão”. Adaptada de uma história em quadrinhos homônima, escrita e desenhada pela francesa Julie Maroh, a obra aborda a descoberta da sexualidade e a passagem para a vida adulta de Adèle (que no livro é Clementine) e Emma, uma jovem de cabelos azuis por quem Adèle se apaixona. É a primeira vez que um filme adaptado de uma história em quadrinhos conquista a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Este texto analisa matéria veiculada online por O Globo em 25 de fevereiro, de André Miranda e Eduardo Rodrigues, que, com o título “Conteúdo de ‘Azul é a cor mais quente’ dificulta lançamento em blu-ray no Brasil”, sustenta que Sonopress e Sony DADC, empresas produtoras de blu-ray no país, anunciaram que não iriam comercializar o filme devido às cenas de “sexo explícito” entre as duas atrizes.
A matéria enfoca aspectos positivos do filme: cita o prêmio em Cannes (“uma das obras mais celebradas ano passado”), a conquista de outros 42 prêmios ao redor do mundo e as indicações ao Globo de Ouro e ao Bafta.
No entanto, sua intenção fica clara a partir do título: é o conteúdo de “Azul é a cor mais quente” que dificulta seu lançamento em blu-ray, concordando com a alegação das produtoras de que não trabalham com filmes que contenham cenas de “sexo explícito”.
No primeiro parágrafo da matéria, os autores destacam que o filme “causou polêmica pelas longas cenas de sexo entre as atrizes” e que, no Brasil, a distribuidora Imovision colocou a classificação indicativa de 18 anos. Embora informe que as cenas só mostram o contato dos corpos, sem closes em órgãos genitais, “é inegável que foram imagens polêmicas, não só no Brasil. O forte conteúdo sexual do filme causou polêmica até mesmo na equipe”.
Com uma atmosfera densa e cenas que apostam na cor azul, “Azul é a cor mais quente” nos apresenta alguns dias no cotidiano de Adèle. Assistimos sua corrida para alcançar o ônibus de manhã, suas aulas, seus amigos e família. E, em meio a isso, a descoberta da sexualidade diante da transição para a vida adulta. No início, Adèle se envolve com um rapaz e há uma cena de sexo entre os dois, mas este fato não foi mencionado na matéria do Globo como impeditivo para sua veiculação em blu-ray.
Quando Adèle se envolve com Emma, a obra retrata o preconceito que a protagonista sofre por parte dos amigos: eles a julgam e exigem que ela se assuma enquanto homossexual. A revelação para seus pais não é abordada e, após um salto de anos, Adèle surge na tela mais madura, morando com Emma e trabalhando como professora.
Para que a matéria fosse plural, os jornalistas deveriam apresentar uma discussão mais ampla a respeito do assunto, tentando responder perguntas como: qual seria a definição de “sexo explícito”? O que é pornografia e o que é erotismo? Quando as cenas de sexo se tornam parte de um contexto, como no caso da descoberta da sexualidade pela personagem adolescente, e quando se tornam adornos? Qual a opinião dos espectadores brasileiros?
Os jornalistas do Globo afirmam que as empresas que se negam a produzir o filme em blu-ray não podem ser penalizadas, pois se trata de um contrato empresarial e, neste caso, não se aplicam as normas do Código de Defesa do Consumidor.
Em suma, pode-se concluir que a matéria analisada trouxe dados positivos a respeito do filme, mas tornou-se mais opinativa que informativa, deixando de abordar questões significativas. O conteúdo do filme, que mostra os conflitos da adolescente Adèle contra a moral vigente e sua passagem para a vida adulta, é reduzido a duas cenas de sexo.