‖ ‖ ‖ Amanda Tiengo ‖ ‖ ‖
No ano em que a Constituição Federal completou 25 anos, a pesquisa em comunicação tem uma contribuição a oferecer para a compreensão dos arranjos e conflitos vividos durante sua elaboração. O objeto aqui enfocado são os editoriais produzidos pela Folha de S. Paulo durante a Assembleia Nacional Constituinte, relacionados à liberdade de imprensa, estudados com análise de enquadramento[1].
A metodologia de análise de enquadramento busca entender como veículos jornalísticos tratam determinados assuntos observando palavras, expressões, metáforas, símbolos, ironias. A escolha de palavras pode salientar uma ideia em detrimento de outras relacionadas ao assunto investigado.
O método para se analisar textos jornalísticos de acordo com o enquadramento envolve etapas como definição do objeto, contextualização e antecedentes históricos do assunto e do meio de comunicação investigado, observação que envolve a seleção da amostragem e categorização, descrição e interpretação.
Dois editoriais relacionados à liberdade de imprensa no período de elaboração da Constituição são “Com medo da imprensa”, de 20 de fevereiro de 1987, e “Diploma de incompetência”, de 30 de setembro de 1987.
É preciso levar em conta o contexto em que os editoriais foram escritos. Em 1987, a Assembleia Nacional Constituinte foi uma via de expressão para encerrar o ciclo do autoritarismo do regime ditatorial. O que se esperava da nova Carta era que ela fosse capaz de apagar os vestígios da ditadura, restabelecendo o direito de liberdade de expressão no Brasil.
Por meio da caracterização dos editoriais, foi possível perceber a posição do jornal frente aos assuntos relacionados à liberdade de imprensa, como a criação de um programa oficial de rádio sobre os trabalhos constituintes e a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão.
Em relação à instauração da “Voz do Brasil” da Constituinte, a Folha enquadrou o assunto de maneira negativa, mostrando-se contra a iniciativa. Isso pôde ser percebido por meio das palavras utilizadas pelo jornal para se referir ao assunto. O título “Com medo da imprensa” ironiza que os membros da Constituinte teriam receio de como a imprensa abordaria sua atuação, daí o meio oficial ser uma forma de garantir a “cobertura favorável”.
A Folha também critica a possibilidade de se manter a necessidade do diploma para o exercício do jornalismo na nova Carta Constitucional. Para o jornal, isso representaria a “estreiteza corporativista” e “um corte autoritário”: “manter a obrigatoriedade do diploma seria viajar regressivamente em um túnel do tempo: o ponto de chegada é o atraso medieval”. Para a Folha, manter a obrigatoriedade do diploma seria cercear a liberdade de imprensa. O tema parece prioridade: a Folha situa o editorial no topo da página e confere a ele seis parágrafos excepcionalmente agressivos.
O enquadramento dado pela Folha de S. Paulo ao assunto pode ser melhor entendido se contraposto ao projeto editorial do jornal. O jornal sustenta que “repele e condena publicamente qualquer tipo de ingerência do poder do Estado sobre a atividade intelectual”, segundo o seu Manual de Redação lançado em 1992, e que “não reconhece legitimidade em nenhuma restrição, legal ou ilegal, que se faça à liberdade de imprensa”.
Tais princípios editoriais são observados na expressão opinativa do jornal. Por meio das palavras que utiliza, em sua maioria negativas, sinaliza sua posição contrária ao que particularmente considera cerceamento à liberdade de imprensa.
[1] Este texto é produto da pesquisa de iniciação científica intitulada “A regulação jurídica constitucional do direito de comunicação analisada sob a perspectiva do jornal Folha de S. Paulo”, realizada com bolsa da Fapesp e orientação do Prof. Dr. Carlo José Napolitano.