‖ ‖ ‖ Kátia Viviane da Silva Vanzini ‖ ‖ ‖
Foram quatro dias de julgamento de Mizael Bispo de Souza, acusado de matar, em maio de 2010, a ex-namorada Mércia Nakashima. Pela primeira vez na história do Judiciário paulista, um julgamento de homicídio do Tribunal do Júri foi transmitido ao vivo e em tempo real. Além de tornar possível acompanhar cada detalhe do julgamento pela TV, rádio e internet, o Tribunal de Justiça de São Paulo também utilizou redes sociais, como Facebook e Twitter. Os motivos que levaram à decisão da transmissão ao vivo, são, conforme divulgado no próprio site do tribunal, atender aos princípios da transparência e publicidade aos atos do Poder Judiciário, propiciando que um número cada vez maior de pessoas tenha acesso às atividades da Justiça.
Antes de tomar a decisão sobre a transmissão ao vivo, o juiz responsável pelo julgamento do caso, Leandro Bittencourt Cano, consultou as partes relevantes e garantiu que, sempre que necessário à preservação da integridade do tribunal ou do direito das partes, as filmagens seriam interrompidas. A pedido dos jurados, não foram feitas imagens do Corpo do Júri, e testemunhas utilizaram tal prerrogativa em seus depoimentos e não tiveram suas imagens reveladas, apenas a voz.
A decisão de Bittencourt Cano vem ao encontro do Artigo 100 da Constituição Federal de 1988, que estabelece que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário são públicos, salvo os protegidos pelos casos de segredo de Justiça, embora tal decisão tenha ocasionado certa polêmica.
Há os que levantaram a bandeira contra a iniciativa do TJ São Paulo, afirmando que a transmissão ao vivo de julgamentos, principalmente em casos de grande atenção da mídia e da sociedade, poderia interferir na decisão dos julgadores e até no resultado final. Há os mais ácidos, que afirmam ser a transmissão uma espécie de transformação do Tribunal de Júri num reality show, ou a espetacularização da Justiça. Importante ressalvar, no entanto, que julgamentos como do casal Nardoni, de Gil Rugai, do goleiro Bruno, entre tantos outros, também causaram grande repercussão entre os veículos de comunicação e a consequente transformação de detalhes da investigação, perícia e julgamento num verdadeiro espetáculo.
O Judiciário brasileiro há muito tem sido motivo de interesse da mídia nacional, não apenas por suas decisões, mas também como instituição, como aconteceu, por exemplo, durante a posse do ministro Joaquim Barbosa na presidência do STF.
O novo foco é resultado da decisão do Poder Judiciário de se tornar mais próximo do cidadão comum. Silva (2009) faz uma retrospectiva dos desafios enfrentados pelas assessorias de imprensa e comunicação da magistratura brasileira desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, devido à crise de legitimidade da administração pública em todos os seus níveis e esferas. As primeiras assessorias de imprensa do Poder Judiciário atuavam com o intuito de criar um canal de comunicação com a mídia, buscando uma aproximação maior com a sociedade, resgatar a imagem da instituição e dar maior visibilidade às suas ações.
Apesar de tais avanços, gestores de comunicação e entidades representativas da magistratura perceberam que, para resgatar sua credibilidade e legitimidade junto à sociedade, as ações de comunicação pública do Poder Judiciário deveriam ser pautadas também para prestar serviços à população. A partir de então, as assessorias começaram a focar suas ações em programas, eventos, atividades e iniciativas para orientar o cidadão sobre direitos, deveres e serviços que poderiam ser obtidos através do Poder Judiciário.
Nesse caminho, o Conselho Nacional de Justiça publicou, em 2009, a Resolução 85, com o objetivo de estabelecer a Política Nacional de Comunicação Integrada para o Poder Judiciário, definindo estratégias e investimentos em dois setores principais: comunicação interna e divulgação externa. A resolução estabelece como objetivos da Comunicação Social do Poder Judiciário: dar amplo conhecimento das políticas públicas e programas; divulgar de forma didática e acessível direitos e serviços; estimular a participação da população no debate e na formulação de políticas públicas e que envolvam ações do Poder Judiciário; promover a imagem do Poder Judiciário junto à sociedade; entre outros.
E é atendendo à Resolução 85 que a transmissão ao vivo do julgamento do caso Mércia Nakashima torna efetivo o objetivo de “promover o Poder Judiciário junto à sociedade de modo a conscientizá-la sobre a missão exercida pela Magistratura, em todos os seus níveis, otimizando a visão crítica dos cidadãos a respeito da importância da Justiça como instrumento da garantia dos seus direitos e da paz social” (Resolução 85 – Artigo 1º, inciso VI).
Referências
CNJ. Resolução 85/2009. Dispõe sobre a Comunicação Social do Poder Judiciário. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/323-resolucoes/12200-resolucao-no-85-de-08-de-setembro-de-2009> Acesso em 15 jan. 2013.
SILVA, E. K. S. Contextualização histórica e avanços da comunicação pública na justiça. In: DAMIANI, F.; KÁTIA, E. (orgs.) A comunicação na Justiça brasileira. Florianópolis: Pandion, 2009.