Personalidades brasileiras e a motivação coletiva das instituições


‖ ‖ ‖ Cecília de Paiva ‖ ‖ ‖ 

 

A mídia despertou a atenção de milhares de brasileiros, em 2012, para algumas personalidades do sistema judiciário, pela postura ética integrada a decisões como figuras públicas. Nos jornais, observa-se não serem as instituições que prevalecem, mas é por meio delas que se encontra a motivação coletiva de quem assume atividades de interesse público.

Eliana Calmon foi denominada a “paladina dos bandidos de toga” por suas declarações frente à Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça. Odilon de Oliveira foi descrito como o juiz mais ameaçado do país, por seu combate ao crime organizado. Joaquim Barbosa foi exaltado nas redes sociais por sua coragem, com a mídia dando destaque à sua cor: o primeiro negro a assumir a maior corte do país, quando nomeado para a presidência do Supremo Tribunal Federal.

Ainda que os meios de comunicação frisem a personalidade, as entrelinhas demonstram que são representantes de uma estrutura sedimentada, com outras pessoas e aparatos para ajudar no que fazem. Portanto, com estrutura física e compondo equipes, nenhuma força sobre-humana lhes pode ser imputada. Então se questiona: em pleno século XXI, por que tanto assombro e alarde por cumprirem obrigações previstas em lei, em que todo serviço público tem previsões orçamentárias, atribuições e contratações determinadas? Realmente protagonizam tarefas hercúleas? Que contexto é esse que destaca um e outro entre os 200 milhões de brasileiros que também enfrentam lutas e conquistas relevantes?

Descortinar feridas

Especular alguma resposta a essas indagações faz mencionar a falta de vivência do brasileiro a uma vida plena de direitos. Mas começar a refletir a partir de uma plenitude tão utópica impossibilita fazer qualquer explanação factual. Melhor é logo dizer, de antemão, que Eliane, Odilon e Joaquim são figuras públicas com os simbólicos traços deste povo brasileiro, feito de uma mistura que Darcy Ribeiro diz ter sido amalgamada por percalços e lutas, por conquistados e conquistadores.

Despertam para uma situação que vai além do que fazem: a ineficiência do sistema judiciário, em que as instâncias inferiores dependem, cada vez mais, de outras instâncias para alguma decisão final, “quebrando a banca” de tanto acúmulo de processos. Há tempos, ouvem-se críticas sobre a morosidade ser sinônimo de judiciário no Brasil, de modo que a atuação dessas figuras públicas ilumina feridas pouco tratadas, envoltas por paliativos para enfrentar os caminhos tortuosos da tramitação de um processo.

Nos noticiários, viu-se que essas figuras estiveram sob desgaste físico e mental para procederem a apurações minuciosas, rastreamentos e interpretações de dados relativos a patrimônios ilegais, tudo em meio à cobrança por resultados concretos, geralmente alcançados a longo prazo, tal como o que se atribui a Odilon de Oliveira. Sobre este, matérias e entrevistas dizem ser atuante desde 2006 no confisco de bens de réus ligados ao crime de lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, com imóveis rurais e urbanos, veículos populares e luxuosos, aviões, milhões em espécie e milhares de cabeças de gado devolvidos aos cofres públicos como ressarcimento às apropriações indevidas.

Pelo que se infere das publicações, são figuras em funções ocupadas por merecimento curricular, desvinculadas de um costumeiro “QI – Quem Indica” – cortam sem dó atitudes como as sintetizadas por Fernando Sabino, no alerta que faz aos brasis dos remediados: “para os pobres, é dura lex, sed lex. A lei é dura, mas é a lei. Para os ricos, é dura lex, sed latex. A lei é dura, mas estica” – sem adaptação da lei segundo interesses privados . Portanto, revelam que não há mais como fingir que tal interpretação só aconteceu no século passado, pois seria como ignorar as discussões em torno da reforma do judiciário ou deixar de lado lutas das minorias, em que para ter cotas para educar-se, manter-se na terra dos antepassados ou não mais apanhar de marido é necessário haver intervenção internacional.