‖ ‖ ‖ Deborah Cunha Teodoro ‖ ‖ ‖
A concentração da propriedade dos meios de comunicação, cuja titularidade está restrita a poucas famílias ou grupos empresariais, e a legislação que regula o setor, insuficiente para promover uma mídia democrática, geram a necessidade de discussões em torno de um novo marco regulatório para a radiodifusão brasileira. A falta de normas para impedir a propriedade cruzada é um agravante para a consolidação dos grupos responsáveis pela concentração dos meios. A concentração pode reduzir a diversidade de opiniões, uma vez que pode cercear o direito de expressão, comprometer a difusão do pensamento crítico e assumir o poder de criar consensos. Sem barreiras regulatórias que impeçam a censura interna nas redações, provocada principalmente pelas pressões políticas e econômicas, os proprietários de mídia e seus representantes podem determinar o que deve ser pautado.
A questão pode ser inserida formalmente na agenda pública, a partir do resultado das fiscalizações dos serviços de radiodifusão em curso pelo MiniCom (Ministério das Comunicações) e Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Elaborado pelo MiniCom, o Plano Anual de Fiscalização dos Serviços de Radiodifusão (PAF) traz uma novidade para 2013: a previsão de quanto tempo demandará a inspeção das concessões de rádio e televisão em cada região do país. O documento objetiva cumprir o que prevê o Plano Plurianual do setor: inspecionar todas as rádios e TVs brasileiras até 2015. A estimativa é de que as emissoras de TV absorverão mais tempo de aferição do que as de rádio. A vistoria avaliará a documentação das outorgas, bem como o cumprimento das exigências técnicas e de conteúdo impostas às emissoras.
A execução do plano compete à Anatel e ao Minicom. Embora este seja responsável pela fiscalização do conteúdo da programação e dos recursos de acessibilidade aos portadores de deficiência, um convênio celebrado com a Anatel, no ano passado, também possibilitou a ela vistoriar e instruir processos de apuração de infração neste sentido, tendo em vista que a competência originária da agência é fiscalizar aspectos técnicos dos serviços. Já a titularidade para a aplicação das sanções administrativas continua restrita ao Ministério das Comunicações, que ainda faz a aferição dos atos societários das concessionárias. Um comitê específico, integrado por representantes do Departamento de Acompanhamento e Avaliação e da Superintendência de Radiofrequência e Fiscalização, acompanhará a implantação do PAF 2013 para revisar os números e modificar os percentuais de fiscalização estabelecidos.
As atividades propostas nesta vistoria buscam garantir a prestação dos serviços de radiodifusão em consonância com as normas legais e regulamentares em vigor. Estão previstas três categorias de fiscalização: rotina, denúncias e demandas processuais oriundas do MiniCom para a instrução de processos com questionamentos da sociedade e renovação de outorgas. Serão aferidas as características técnicas das instalações, como o conteúdo da programação transmitida, incluindo veiculação de recursos de acessibilidade e adequação às finalidades educativas e culturais, e as obrigações contratuais firmadas com as emissoras. A intenção é ampliar as fiscalizações de rotina, que são planejadas, em detrimento daquelas baseadas em denúncias, normalmente aceitas por e-mail, pelos correios ou pessoalmente no Ministério das Comunicações, com a ressalva de que não podem ser anônimas, conforme dispõe o artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal, embora a identidade do denunciante possa ser preservada em caso de risco à sua vida ou segurança, nos termos da Lei de Acesso à Informação.
A lista com as punições aplicadas neste ano está disponível para consulta, com a ressalva de que, em parte dos casos, as entidades punidas podem recorrer da decisão do Ministério. As multas lideram as penas, seguidas pelas suspensões e, apenas em um ou outro caso, por ambas sendo imputadas concomitantemente. Os valores das multas variam de R$ 425,96 a R$ 58.036,52, segundo a lista das sanções aplicadas de janeiro a agosto deste ano.
A fiscalização leva em conta a legislação vigente para as telecomunicações, mais precisamente, para a radiodifusão, bem como as normas técnicas complementares e resoluções que regulam cada serviço. A base destes diplomas legais é o CTB (Código Brasileiro de Telecomunicações), para o qual a radiodifusão engloba os serviços de rádio e televisão a serem recebidos gratuitamente pelo público em geral. Regendo toda a legislação do setor está a Constituição Federal, segundo a qual a radiodifusão pode ser explorada comercialmente, desde que obedeça às finalidades sociais, educativas e culturais, promova a cultura nacional, regional e o estímulo à produção independente, regionalize a produção cultural, artística e jornalística e respeite os valores éticos e sociais da pessoa e da família. Conteúdos regionalizados em um país como o Brasil, de dimensões continentais e com ampla diversidade cultural, representam uma maneira de agregar pluralidade à programação, fomentando a formação de uma identidade nacional fortalecida. Entretanto, normatizações nesse sentido esbarram em interesses comerciais, visto que uma programação heterogênea atrai um público segmentado, o que acarreta a divisão de audiência, enquanto uma programação homogênea atende aos interesses publicitários de atingir a grande audiência. Considerado um bem público, o limitado espectro eletromagnético deve servir ao cidadão; entretanto, essa não é a realidade, afinal, o público tem sido tratado muito mais como consumidor do que como cidadão.
O atendimento a normas recentes, como a Lei 10.610/2002, que dispõe sobre a participação de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão, e o Decreto 5.371/2005, que regulamenta o serviço de retransmissão de televisão e o serviço de repetição de televisão e suas alterações, também será avaliado e, dependendo do resultado, poderão ser propostas medidas que apontem para um novo marco regulatório. A radiodifusão brasileira somente contará com uma regulação satisfatória aos interesses democráticos após a proposição e profunda análise pelo Congresso Nacional, com ampla reflexão e aprimoramento, de projetos que resultem em normas mais eficientes para o gerenciamento dos processos de concessão, permissão, autorização, renovação e cancelamento de outorgas de emissoras de rádio e televisão no país.