Ley de Medios pode inspirar marco regulatório brasileiro


‖ ‖ ‖ Deborah Cunha Teodoro ‖ ‖ ‖

 

O Brasil clama por um marco regulatório para o setor das comunicações que, por envolver interesses de grupos hegemônicos da sociedade, continua sendo procrastinado. As “forças vivas” (entenda-se aqui “políticas”) da sociedade muito debatem e pouco ou nada avançam em termos concretos, apegando-se a interpretações superficiais e equivocadas, julgadas até mesmo incompatíveis, de termos como regulação e democracia. Com isso, torna-se cada vez mais evidente o óbvio receio de alguns grupos oligárquicos perderem o poder que exercem desmesuradamente sobre seus domínios demarcados pela posse e exploração do espectro eletromagnético legalmente concedido pelo poder público, como estabelece nosso diploma legal – a Constituição Federal.

Entretanto, se no âmbito legislativo, os percalços encontrados pelo caminho parecem obstar uma solução em curto prazo, no ambiente acadêmico e na blogosfera, estudiosos e pensadores não deixam o assunto esfriar e cobram uma regulação eficiente para as comunicações. A radiodifusão pública brasileira, por exemplo, parcamente regulamentada nos quatro artigos iniciais da Lei 11.652/2008, popularmente conhecida como Lei da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), apenas institui, de maneira genérica, os princípios e objetivos de tais serviços em território nacional, os quais permanecem pendentes de regulação específica e pormenorizada.

Neste sentido, a América Latina tem experimentado significativa modernização nos últimos anos. Um exemplo recente dessa nova configuração diz respeito à Ley de Medios argentina que regulamentou os serviços de comunicação audiovisual naquele país. Considerada uma “revolução da mídia”, a Lei 26.522/2009 revogou e substituiu a Lei 22.285/80, da radiodifusão, uma herança do período da ditadura militar que perdurou de 1976 a 1983. Desde a redemocratização argentina, 75 projetos de lei de radiodifusão tramitaram no parlamento sem conseguir aprovação. O projeto da Ley de Medios foi apresentado pela presidenta Cristina Kirchner, sendo posteriormente analisado por fóruns públicos de todas as províncias e acompanhado de atos, manifestações e movimentos massivos em todo o país, gerando um novo documento com redação elaborada por um grupo de especialistas no assunto.

Aprovada e sancionada, a nova norma declara que as radiofrequências, por serem bens públicos, devem ser concedidas por meio de licitação, com duração de dez anos, renováveis por igual período. Esta regulação também reserva um terço do espectro à mídia comunitária, limita a formação de oligopólios e a veiculação de publicidade, estabelece níveis mínimos de difusão da produção nacional, inclui medidas de apoio aos meios de comunicação voltados para atender os povos indígenas e prevê o fim da televisão analógica, com a instrumentalização da TV digital, visando facilitar o acesso da população ao serviço, propondo o barateamento, a democratização e a universalização das novas tecnologias de informação.

A Ley de Medios considera a comunicação audiovisual uma atividade social de interesse público, essencial para o desenvolvimento sociocultural do país, já que viabiliza o direito de buscar, receber e difundir informações, ideias e opiniões, livres de censura. Para fazer valer este direito, a regulamentação prevê a criação de órgãos fiscalizadores e de controle social da mídia. Os primeiros são responsáveis pela aplicação, interpretação e cumprimento da lei, enquanto os demais representam os prestadores do serviço de radiodifusão públicos e privados, os profissionais da imprensa e o público, recebendo e processando consultas, reclamações e denúncias.

A lei argentina, assim como outras voltadas ao setor e vigentes na União Europeia, pode sugerir um roteiro para o Brasil formular sua própria regulação. Portanto, um bom projeto, seguido de consultas públicas, com a mobilização da sociedade civil e vontade política do governo, é imprescindível para garantir pluralidade de vozes e opiniões na radiodifusão brasileira, além de gerar reflexos positivos nas economias regionais e empregabilidade. Ao dissipar a atual concentração de concessões existente no país, será desencadeado um processo de dinamização dos recursos humanos, econômicos e culturais locais, com diversidade informativa e estímulo à participação da pluralidade de atores sociais na produção e emissão de discursos audiovisuais, visto que as emissoras não serão mais meras difusoras de uma programação produzida de forma centralizada. Desta forma, a democratização da comunicação pode reverter em melhor qualidade na programação veiculada pelas emissoras e em maior desenvolvimento à sociedade.