Enquadramentos da Rio+20 enfatizam críticas e conflitos


‖ ‖ ‖ Carolina Ito Messias ‖ ‖ ‖


O documento final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), aprovado no dia 19 de junho, teria deixado de responder a questionamentos feitos por ativistas ambientais, sendo criticado por sua alegada falta de ambição ao propor soluções.

Os principais telejornais brasileiros acompanharam as negociações da Rio+20 com enquadramentos distintos e privilegiando certos temas durante a apuração noticiosa. Este texto examina como o assunto foi pautado pelas emissoras de televisão, empregando análise de enquadramento.

As matérias aqui selecionadas pertencem ao Jornal Nacional (Rede Globo), Jornal da Record e Jornal da Cultura, exibidos no horário nobre, de segunda a sábado. Os telejornais da Globo e da Record foram escolhidos por possuírem maior audiência nacional, segundo dados de relatório da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. O Jornal da Cultura faz parte da amostra por ter, em função de sua gestão pública, potencial de oferecer um contraponto às tendências majoritárias da televisão explorada comercialmente.

Economia versus meio ambiente

A cobertura da Rio+20, por vezes, teve enfoque na disputa entre a crise financeira internacional e os investimentos em sustentabilidade. Nesta abordagem, o desenvolvimento sustentável não foi considerado um meio para superação da crise, e a conferência não teria cobrado a dívida dos países desenvolvidos, que deveriam ser responsáveis por arcar com os maiores custos da sustentabilidade.

A matéria do Jornal Nacional do dia 13 de junho, Começa a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável no RJ, enfatizou aspectos econômicos a serem discutidos no evento que desembocam na pergunta fatídica: “quem irá pagar a conta de uma economia verde?”. Para o correspondente André Trigueiro, essa pergunta representava o “maior obstáculo para um acordo na Rio+20”, mesmo que o custo estimado para desenvolver metas sustentáveis (cerca de 1,3 trilhão de dólares) fosse menor do que o montante de despesas militares no mundo inteiro. O elemento de conflito, segundo o JN, é a crise econômica que impederia que os países ricos se comprometam com os gastos.

No dia 15 de junho, o Jornal da Record exibiu a matéria Participantes da Rio+20 não entram em acordo sobre documento final da conferência, que seguiu a mesma linha da Globo. “O grande nó nas negociações é o fundo internacional de 30 bilhões de dólares ao ano para financiar projetos sustentáveis nos países em desenvolvimento”, segundo a repórter Diana Rocha. A discussão não saiu do plano econômico e de aspectos circunstanciais da conferência, como a chegada dos chefes de Estado e a organização da Cúpula dos Povos. A frase de Leonardo Boff citada pelo âncora Heródoto Barbeiro indica o posicionamento do veículo: “o futuro que eles preparam nessa reunião Rio+20 vai nos levar para o abismo”.

O Jornal da Cultura conferiu à cobertura da conferência uma visão mais esclarecedora sobre os conceitos de desenvolvimento sustentável e economia verde. Na edição do dia 15, a âncora, Maria Cristina Poli, explicou que sustentabilidade é “um modelo que alia crescimento da economia com conservação de recursos naturais e respeito ao ser humano”. A edição trouxe convidados para discutir o assunto. Entre eles, esteve o cientista político Carlos Novaes, para quem “uma economia sustentável implica em escolhas e em certos sacrifícios”.

O cenário construído pelos telejornais da Globo e da Record se limitaram ao plano econômico e não trataram de questões que pareciam mais relevantes antes da conferência, como administração racional de recursos naturais, incentivo à práticas sustentáveis e redução drástica da emissão de gás carbônico na atmosfera. O Jornal da Cultura, por sua vez, trouxe uma abordagem que procurou relacionar desenvolvimento sustentável com diminuição da desigualdade social nos países pobres.

Quem paga a conta?

O ceticismo alimentado pelos meios de comunicação se tornou mais evidente com a conclusão do documento que deverá guiar os países nas próximas décadas.

No dia 19 de junho, o Jornal Nacional fez um balanço das principais decisões que seriam apresentadas aos chefes de Estado na matéria Documento final da Rio+20 é aprovado por diplomatas e negociadores. As principais metas, de acordo com o telejornal, são a criação de um fórum político dentro da ONU para acompanhar as ações propostas pela conferência e erradicar a pobreza em todos os países. “Ficaram de fora o estabelecimento de metas, a definição do que é economia verde” e, novamente, “dizer quem vai pagar a conta da tecnologia para um mundo mais limpo”.  O enquadramento de conflito, que busca enfatizar a disputa entre determinados segmentos, aparece sobre as ONGs que avaliaram o documento como “fraco” e “pouco ambicioso” e sobre as declarações de representantes do governo brasileiro, inclusive de Dilma Rousseff, para quem o documento teria sido “uma vitória para o Brasil”.

No Jornal da Cultura, o “saldo negativo” do documento final foi mais enfatizado. A edição do dia 22 exibiu depoimento do representante da Cúpula dos Povos, Darci Frigo, para quem a Rio+20 ouviu “os atores errados” e a participação da sociedade civil e dos ambientalistas teria sido menosprezada.  Os convidados presentes na edição comentaram que o Brasil não teria força para comandar as negociações por não preservar adequadamente seus próprios recursos naturais e por favorecer, historicamente, os interesses da bancada ruralista.

“Muito blábláblá e quase nenhum investimento na saúde do planeta” é a avaliação do Jornal da Record, nas palavras da âncora Ana Paula Padrão. A matéria do dia 22 de junho, Documento da Rio+20 desagrada governos e ambientalistas, exibe imagens de ativistas estrangeiros inconformados com a decisão final da conferência e argumenta que “os líderes mundiais ficaram muito longe de assumir compromissos concretos ou de destinar recursos para ações que ajudem o planeta a se desenvolver, sem prejudicar tanto a natureza”.

As negociações, no geral, foram apresentadas sob um enquadramento de pessimismo pela alegada exclusão de temas do documento final e de propostas que dão margem a interpretações divergentes. A suposta decepção dos participantes da Rio+20 (exceto dos representantes do governo brasileiro) é exibida de maneira incessante, em um cenário de descontentamento geral com as metas definidas no documento final da conferência. No processo de escolha editorial dos assuntos a serem abordados, os telejornais privilegiaram aspectos negativos, sem dar espaço para ponderações feitas durante as negociações.

Olhares sobre as manifestações

Os protestos feitos durante a conferência foram citados em níveis distintos de relevância. As causas envolvidas nas manifestações do Riocentro se relacionaram a temáticas diversas, como descriminalização das drogas, emancipação da mulher e direitos dos povos indígenas.

Na edição do Jornal Nacional do dia 18 de junho, a matéria Rio+20 tenta acordo sobre documento a ser entregue aos chefes de estado enfocou a participação de movimentos ambientais e feministas. A conclusão da matéria preferiu um enquadramento episódico, centrado nos aspectos mais superficiais e pitorescos do acontecimento, e enfocou a situação de um personagem que representaria o transtorno causado pelos manifestantes. “Carlos, um homem de terno que anda apressado pela rua, teve que ir a pé para o aeroporto e declara que o problema ‘faz parte da democracia’ e que ‘se esforça para não perder o avião’”.

No mesmo dia, o Jornal da Cultura destacou as bandeiras dos movimentos sociais. No caso dos índios, a manifestação se dirigia a empreendimentos do BNDES financiados em terras protegidas que “interferem diretamente na vida deles”.

Na edição de 19 de junho do Jornal da Record, com a matéria Rio+20: diplomatas aprovam temas a serem discutidos por chefes de governo, as manifestações ganharam menos de 20 segundos. O foco rápido, sem entrevistas, se deu sobre descriminalização das drogas, tortura no período autoritário e gastos militares.

No dia 22 de junho, o Jornal Nacional fez uma síntese de quem passou pelo Riocentro na matéria Último dia da Rio+20 é marcado por protestos e a presença de indígenas. A cidade, segundo o jornal, se tornou “símbolo da diversidade”. O correspondente André Luiz Azevedo comentou que “neste último dia, foi o povo da floresta do Brasil que chamou mais atenção”. Os indígenas, que coordenaram intensas manifestações ao longo da conferência, são descritos com certo exotismo e nada é mencionado sobre suas reivindicações.

A partir dessa amostra, é possível concluir que os militantes de causas sociais foram pouco ouvidos. As fontes mais presentes foram de organizações mais conhecidas do público, como WWF e Greenpeace. Não houve exames mais detidos sobre as razões que levaram tantos movimentos sociais a protestar no entorno da conferência. Os manifestantes foram descritos como transtorno para o trânsito carioca, principalmente nos telejornais da Globo e da Record, novamente em um enquadramento episódico.