Jornalismo espera pouco da Rio+20


‖ ‖ ‖ Carolina Ito ‖ ‖ ‖


A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, também chamada de Rio+20, acontecerá entre os dias 13 e 22 de junho na cidade do Rio de Janeiro. O evento marca os 20 anos da realização da Rio-92, que reuniu mais de 180 chefes de Estado para discutir práticas sustentáveis e estabelecer metas para o manejo adequado de recursos naturais.

Este ano, a expectativa é de que os governos reafirmem o compromisso com o meio ambiente, além de poderem avaliar a eficácia dos acordos estabelecidos durante a conferência de 1992.

A Rio+20 tem sido um dos principais temas da agenda midiática nos últimos meses e é apresentada em face de abordagens e enquadramentos diversos. No meio jornalístico, a especulação acerca da conferência parece girar em torno de dois eixos que se revezam na pauta das notícias. De um lado, há o ponto de vista dos que acreditam em seu potencial transformador no campo das políticas ambientais e, do outro, está o posicionamento daqueles que duvidam de sua efetividade e poder de persuasão diante dos governos.

Neste artigo, serão analisadas matérias produzidas pelo jornal Folha de S. Paulo a partir de critérios de seleção como atualidade e proximidade dos assuntos que envolvem a realização da Rio+20 no Brasil. O objetivo é identificar o enquadramento das notícias, a partir de uma análise que não se limita a apontar posicionamentos políticos, mas avalia o conjunto interpretativo preponderante na amostra.

Os exemplos

As matérias do início de maio até junho tratam mais de temas circunstanciais do que de aspectos que poderão ser discutidos durante a conferência e que podem influenciar a vida dos cidadãos em geral.

A primeira matéria, Rio+20 terá quase metade da segurança da Eco-92, é uma das que abordam o tema da segurança que será oferecida na Rio+20. O texto discute a redução do número de policiais que, segundo o coordenador do esquema segurança, se deve às ações de “pacificação das favelas”, que ocorreram no ano passado. Mais adiante, a matéria sinaliza um possível conflito entre a polícia militar e um conjunto de favelas que fica próximo à rota de chegada dos chefes de estado e demais participantes da conferência.

Essa “preocupação”, como o próprio texto diz, é mencionada de maneira recorrente em veículos de grande circulação, e as favelas são sempre citadas como um problema a ser combatido por meio da força. A segunda matéria também abrange um conflito. Agora é explorada a oposição feita pelas ONGs que farão parte do evento paralelo à conferência – a Cúpula dos Povos – e o governo no texto que leva o título Governo e ONGs se estranham sobre debates no encontro. Os ambientalistas reivindicam maior presença e participação civil na escolha dos assuntos a serem discutidos durante o evento oficial. “As ONGs declararam uma espécie de boicote aos chamados Diálogos sobre o Desenvolvimento Sustentável, que o governo considera a maior inovação da cúpula”, segundo o jornal. O texto é razoavelmente equilibrado, com argumentos contra e favor ao requerimento. Essa pauta dá consistência a um enquadramento de ceticismo, afinal, a matéria indica que nem os ambientalistas brasileiros parecem festejar a realização da conferência prestes a acontecer.

Outro problema destacado pelo jornal Folha de S. Paulo, na terceira matéria analisada, é o fato de que a Cúpula não vai compensar poluição de voos, sendo que “o gás carbônico emitido por aviões é um dos maiores impactos” causados por eventos dessa magnitude. Essas frases compõem, respectivamente, título e linha fina da notícia. Apesar de serem um tanto fatalistas, o restante do texto apresenta alternativas a essas emissões, como a compra de créditos de carbono pelo governo brasileiro, proposta por um dos organizadores da conferência.

A quarta notícia também evidencia o descrédito em relação à administração pública dos países envolvidos, e o título Empresas lidam melhor com metas, diz ONU” dá a entender que a discussão sobre desenvolvimento sustentável seria mais efetiva no setor privado. A abordagem não promove uma reflexão e não explica por que os governos “resistem em estabelecer metas para a chamada economia verde”, apenas utiliza o relato de um representante da ONU afirmando que as empresas “gostam de ter objetivos e de medir resultados” — como se esse não fosse o interesse da administração pública.

Uma tentativa de oferecer informações mais esclarecedoras sobre o que será colocado em pauta ao longo da Rio+20 pode ser vista na quinta matéria, publicada no início de maio, durante uma  reunião preparatória em Nova York. No texto Brasil quer metas de sustentabilidade no encontro da ONU, é destacado o esforço do país em fazer “lobby para dar metas à Rio+20”. Uma delas seria o resgate dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) a serem implantados a partir de 2015. O assunto não foi aprofundado, o que prejudica a formação de um enquadramento mais temático e menos factual.

Por fim, a sexta notícia, Com Rio+20, Paes começa campanha para reeleição, faz referência às intenções eleitorais envolvidas no período que antecede a realização da conferência ambiental, mais especificamente, sobre as medidas do atual prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB). Segundo o texto, “muito além da agenda verde que pretende mostrar, Paes busca como marca para seu primeiro mandato a retirada de projetos há décadas nas gavetas municipais”. Uma dessas ações foi o fechamento do aterro sanitário irregular de Gramacho, que teve bastante repercussão na mídia, sobretudo por ter sido palco de um documentário indicado ao Oscar, o “Lixo Extraordinário”.

O que está em jogo?

A análise deste conjunto de textos permite refletir sobre os critérios de seleção e apuração jornalística, à medida que apresentam assuntos distintos relacionados de maneira conveniente à organização da Rio+20. Também é possível observar o caráter de pessimismo acerca da efetividade das discussões que serão feitas no decorrer da conferência, confirmado pelo depoimento de fontes que seguem a mesma linha de pensamento.

É interessante notar que diversos assuntos (que vão desde problemas na administração pública, até estratégias eleitorais) foram relacionados à expectativa do início da Rio+20, embora pouco se tenha discutido sobre a conferência em si. O enquadramento acaba se apoiando em relatos circunstanciais, sem uma proposta interpretativa dos fatos que possa avaliar as causas e possíveis consequências da realização de tal evento, cuja repercussão se dá em nível internacional.

A conclusão é de que a cobertura recente do jornal Folha de S. Paulo sobre a Rio+20 utiliza um enquadramento noticioso superficial e que se concentra em assuntos periféricos. Poucas informações são oferecidas sobre o que realmente está em jogo na conferência: que setores ela pode afetar, quais as alterações prováveis para políticas de desenvolvimento sustentável e qual a mudança na vida dos leitores.