‖ ‖ ‖ Silvia Ferreira ‖ ‖ ‖
A partir das lições da campanha de 2010, o que podemos preparar e esperar para este ano? A comunicação mediada por computadores assumiu o usuário como receptor interativo e viabilizou um ambiente com grande potencial para o debate democrático. Com o crescimento do Twitter e do Facebook, esse cenário parecia promissor durante o processo eleitoral de 2010. Mas, mesmo diante de uma nova dinâmica na comunicação, os candidatos valeram-se do formato palanque tradicional: blogs e perfis se transformaram em coretos virtuais com discursos publicitários. No fim, a grande maioria dos envolvidos se perguntava: o que deu errado?
Com a iminência das eleições 2012, é hora de retomar essa questão.
“Senador, a internet já nasceu livre”
O alerta, feito pelo apresentador Marcelo Tas no Twitter dia 18 de março de 2010, foi direcionado ao então senador Aloízio Mercadante. O petista havia acabado de postar no YouTube um vídeo vetado pela Justiça Eleitoral para a TV. Também no Twitter, ele justificou: “Uso emenda que aprovei para assegurar a minha liberdade de expressão na internet”. A tal emenda era uma resposta à mini-reforma eleitoral feita às pressas com o objetivo de definir regras para a propaganda na rede. Entre outros despropósitos, a proposta original proibia qualquer site de veicular opinião favorável ou contrária aos candidatos.
Considerando as particularidades da web, a mini-reforma pareceu um ato quase desesperado para conter a potencial viralização de opiniões e informações comprometedoras e blindar os tais coretos virtuais. A partir dela, surgiu uma enxurrada de emendas com o incoerente objetivo de normatizar a internet e eleger os novos “mártires da liberdade de expressão”, título do qual se valeu Mercadante para involuntariamente se tornar motivo de piada no Twitter após o alerta de Marcelo Tas e a adesão de seus seguidores.
O prejuízo revelado por esse episódio, entretanto, não tem a menor graça. Ele escancara todo o despreparo das lideranças políticas para lidar com as novas ferramentas de exercício da democracia. Na rede, as posturas pessoais vazias definidas como “isentas” ou “conciliadoras” denunciam discursos limitados por alianças, coligações e interesses políticos futuros, esses sim bons motivadores para uma reforma eleitoral consistente – urgente e necessária – que não aconteceu. Nesse contexto de representações, o então candidato à presidência pelo PSOL, Plínio de Arruda Sampaio, conquistou uma condição de destaque ao estimular discussões a partir de denúncias e pontos de vista polêmicos próprios de quem entrou na disputa sem nada a perder.
A revolução que não aconteceu – no Brasil
Infelizmente, o uso da internet como veículo de propaganda, sem o objetivo da mobilização, do debate e do compartilhamento, é um engano que provavelmente será repetido nos próximos pleitos. O “censo” mais recente, realizado pela comScore, indica que 99% dos usuários que acessam internet no Brasil também entram em redes sociais. Mas, à medida que elas crescem, a participação dos políticos parece se recolher.
O isolamento do evento “eleições 2010” não apenas delimita a nossa análise, mas também denuncia a ausência de continuidade: após os resultados das urnas, a maioria dos candidatos suspendeu o convívio com os internautas. No Twitter da presidente Dilma Roussef, por exemplo, a última mensagem foi postada no dia 13 de dezembro de 2010. Curiosamente, dizia: “Amigos, muito legal ser tão lembrada no Twitter em 2010. Logo eu, que tive tão pouco tempo para estar aqui com vocês. Vamos conversar mais em 2011”. Mais tarde, o perfil foi assumido por hackers.
Na internet, uma campanha pode ter começo e meio, mas jamais ter fim. Afinal, quando se pertence a uma mídia social por definição, não existe afirmação sem relacionamento. Muitos dos candidatos que sumiram certamente vão voltar em 2012, certos de que a força que elegeu Barack Obama nos Estados Unidos pode se repetir no Brasil por ser apenas uma questão de tempo, não de cultura.
Vale considerar que, mesmo nos meios offline, as campanhas eleitorais americanas não ficam concentradas apenas nos meses que antecedem a votação. Em primeiro lugar, são os eleitores que escolhem os candidatos, e não os partidos. Obama utilizou a internet para conversar com a população por quase 20 meses até ser eleito, e continuou aproveitando a rede não só para fazer campanha, mas para governar. “Temos muito trabalho a fazer para colocar nosso país de volta nos trilhos, e eu estarei em contato em breve sobre o que virá depois” – foi a mensagem enviada aos eleitores por e-mail logo após a vitória. Ao contrário de Dilma, ele permaneceu constante no relacionamento e hoje faz parte da elite de influência no Twitter, com mais de 11 milhões de seguidores de todo o mundo, incluindo os políticos brasileiros que não fizeram a lição de casa.
Ao avaliar o sucesso da estratégia na internet logo após a eleição, o New York Times afirmou que os grupos de interesses especiais e os lobistas foram confrontados com um ambiente de transparência e, daquele momento em diante, teriam um presidente que nada lhes devia. “Barack Obama compreendeu que poderia usar a internet para baixar os custos de construção de uma marca política, criar um senso de conexão e de acoplamento, e dispensar o método de controle e comando do governo para permitir que as pessoas pudessem se auto-organizar para fazer o trabalho”, afirmou ao NYT o advogado Ranjit Mathoda, investidor e tecnólogo que mantém o famoso blog Mathoda.com. A matéria foi veiculada no dia 9 dezembro de 2010.
Convergência midiática, consumo e cidadania
Quem encerrou a reflexão sobre a estratégia de Barack Obama na reportagem do NYT foi Andrew Rasiej, fundador do Personal Democracy Forum, uma conferência anual sobre a interseção entre política e tecnologia: ”Sim, nós nos encontramos com o Big Brother, aquele que está sempre observando. E Big Brother somos nós”, afirmou. A referência de Rasiej traz a idéia de narrativa transmidiática e cultura participativa proposta por Henry Jenkins no livro “Cultura da Convergência”. O autor utiliza reality shows americanos como Survivor para explicar que o tipo de conhecimento adquirido pela audiência desses programas é impossível de ser reunido em uma só pessoa. Para ele, a idéia se contrapõe ao paradigma do expert: Na era da convergência midiática, a inteligência coletiva é predominante. Trazendo para a perspectiva política, o velho álibi do “candidato mais experiente e mais preparado” perde a força.
Pode parecer inadequada a comparação de reality shows com processos de decisão e debate político, exceto se compreendermos o consumo como um processo de exercício da cidadania que “constrói parte da racionalidade integrativa e comunicativa de uma sociedade”, como teorizou Castells. Resta às lideranças políticas a participação efetiva para compreender que as grandes mudanças anunciadas são essencialmente socioculturais e não apenas tecnológicas.