‖ ‖ ‖ Adriana Donini ‖ ‖ ‖
Em setembro, o jornal Folha de S. Paulo lançou o Folhaleaks, ferramenta que permite ao leitor enviar sugestões, informações e documentos que poderão servir para gerar reportagens investigativas a serem elaboradas pela equipe do jornal.
Por meio desse espaço, podem ser encaminhados textos e arquivos de vídeo, foto e áudio. Segundo a Folha, que promete preservar o anonimato das fontes, os materiais enviados passarão por triagem e checagem.
O editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, afirmou que “o Folhaleaks foi criado para ampliar o acesso da sociedade a informações relevantes, estreitando ainda mais a relação dos leitores com a produção de reportagens de interesse público”. Mas este discurso otimista é fragilizado por importantes limites.
O jornal divulgou que, nos primeiros seis dias de funcionamento, o canal recebeu 700 denúncias de leitores de vários pontos do país. As mensagens teriam apontado suspeitas envolvendo administrações municipais, estaduais e federais. Teriam sido enviados relatos de nepotismo, fraudes em licitações, favorecimento de políticos, denúncias de irregularidades em concursos públicos, distorções em instituições oficiais de ensino e de saúde.
No início de outubro, a Folha publicou duas reportagens que teriam como ponto de partida, denúncias recebidas através do Folhaleaks. Uma delas, veiculada em 6 de outubro e intitulada “Senado recontrata demitido em ‘faxina’”, aborda a nomeação do engenheiro Mauro Barbosa da Silva, que havia sido chefe de gabinete do ex-ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento (acusado de cobrança de propina), ao cargo de assessor técnico na Segunda Secretaria do Senado, a qual é comandada pelo senador João Ribeiro, do Partido da República (PR), do Tocantins.
A Folha sustentou que a contratação atenderia ao ex-ministro dos Transportes e lideranças do PR. Foi exposta a seguinte declaração atribuída a Ribeiro. “O Alfredo me pediu. Ele [Barbosa] precisa trabalhar”.
A justificativa de Nascimento também foi contemplada: “Filiado ao partido, ele [Barbosa] será lotado na Segunda Secretaria e a escolha de seu nome decorre do reconhecimento de suas qualificações profissionais”.
Na reportagem, consta que o ex-chefe de gabinete é servidor concursado da Controladoria Geral da União e foi cedido ao Senado por um ano. O jornal não teria conseguido localizá-lo. Barbosa, que receberia salário de cargo de comissão, foi citado em reportagem da revista Veja como um dos participantes de um esquema de superfaturamento.
A Folha também sustenta que ele está construindo uma casa em Brasília e a obra custaria R$ 2,1 milhões, obtidos graças à venda de um apartamento e a empréstimos em bancos. Segundo corretores, a residência valeria R$ 4 milhões. As fontes desses dados não foram informadas.
Dessa maneira, nota-se uma descrição do caso e um enquadramento que pode levar o leitor a interpretar que o comissionado estaria tendo vantagens ao receber salário mais elevado.
Já no dia 9 de outubro, foi publicada outra reportagem baseada em denúncia recebida através do Folhaleaks, , intitulada “Negócio intermediado por prefeito no RJ tem lucro de R$ 9 mi em 5 dias”.
O texto trata de suposta venda de terreno em Queimados, no Rio de Janeiro, comprado por empresa fornecedora do município por R$ 2,5 milhões e, cinco dias depois, adquirido por uma companhia austríaca ao valor de R$ 11,7 milhões. O jornal afirma que os contatos da negociação tiveram como intermediário o prefeito da cidade, Max Lemos, do PMDB.
Na matéria, Lemos atribui essa diferença à supervalorização dos imóveis no local. Ele sustenta que apenas apresentou investidores a proprietários de terrenos, sem participar da negociação.
A empresa que vendeu o terreno seria ligada ao prefeito. “A história da triangulação comercial começou em abril de 2010, quando João Ferreira de Jesus, procurador da Jogasus, foi apresentado pelo prefeito — seu conhecido desde a década de 90 — a um dos donos do terreno, José Augusto Vereza. (…) A empresa Jogasus, com sede em Duque de Caxias, passou a ter contratos com a prefeitura de Queimados a partir da gestão de Lemos”.
Após o intertítulo “Outro lado”, a Folha trouxe declaração da empresa que adquiriu a área e teria obtido lucro elevado. Também foram expostos, de forma breve, os posicionamentos de representantes da família que comercializou por R$ 2,5 milhões e da indústria austríaca. A versão dos proprietários é publicada de maneira que estabelece conflito com os discursos dos que compraram o terreno. “As duas partes afirmam, no entanto, que a família Vereza já estava comprometida com a venda e o preço acertado pelo patriarca. Representantes dos antigos proprietários negam a informação e dizem que desconheciam a participação da RHI (companhia austríaca) na negociação”.
Observa-se que esta reportagem foi produzida de modo que a denúncia aponte fato verídico, salientando que o prefeito teria ligação com o caso e que teria havido ganho excessivo na negociação do imóvel.
Embora o discurso da Folha seja de maior participação do público ao processo de produção e ampliação do acesso dos leitores a informações relevantes, sabe-se dos limites que esse canal possui, tendo em vista que na seleção e apuração haverá a interferência dos jornalistas e de suas subjetividades, incluindo a rotina de trabalho, os critérios de noticiabilidade e os interesses da empresa de comunicação.