‖ ‖ ‖ Giovani Vieira ‖ ‖ ‖
“O Poderoso Chefão”. Esse é o título da polêmica reportagem da revista Veja de 31 de agosto sobre supostas “atividades clandestinas” de José Dirceu, chefe da Casa Civil durante os dois primeiros anos do governo Lula e um dos denunciados no processo do “mensalão”, ainda em andamento no Supremo Tribunal Federal. A capa da edição traz uma foto em que Dirceu aparece de óculos escuros e sorridente, aos moldes dos antigos mafiosos italianos. Segundo a reportagem, Dirceu estaria mantendo, em um quarto de hotel cinco estrelas em Brasília, um gabinete utilizado para conspirar contra o governo da presidente Dilma Rousseff. Ao todo, são oito páginas de reportagem construída aos moldes de um editorial adjetivado. O suficiente para suscitar as mais diversas reações no meio jornalístico.
A polêmica foi parar na polícia e até mesmo um Boletim de Ocorrência foi aberto contra o repórter da revista Gustavo Nogueira Ribeiro, acusado de tentativa de invasão (do quarto de Dirceu) e falsidade ideológica. Vamos aos detalhes. Na matéria, a Veja afirma que obteve imagens de circulação do hotel, o que dava a entender que seriam imagens de câmera de segurança, reproduzidas na matéria.
Dirceu, os dirigentes e dois funcionários do hotel declararam no Boletim de Ocorrência que o repórter da revista teve acesso ao local sem estar hospedado e solicitou à camareira a chave do quarto em que Dirceu estava. Alegam ainda que o jornalista afirmou que era ele quem estava hospedado naquele quarto e teria voltado para resgatar objetos pessoais esquecidos. Já a matéria apenas menciona que o repórter esteve no hotel com o intuito de investigar as ações de um “chefe de quadrilha”.
O caso sob o Código de Ética dos Jornalistas
A reportagem não se sustenta jornalisticamente, com uma série de ilações e conclusões frágeis, inclusive com o uso excessivo de declarações em off. Tomemos como base os incisos I e II do artigo 2º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros:
I – a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente da linha política de seus proprietários e/ou diretores ou da natureza econômica de suas empresas;
II – a produção e a divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público;
Não cabe aqui julgar se as informações apontadas pela revista são verdadeiras ou não. No entanto, as práticas da Veja no caso parecem deturpar o significado de jornalismo investigativo. Não comprovar a veracidade dos fatos, invadir a privacidade de alguém, tudo para apurar uma notícia, não condiz com as bases da ética do jornalismo. Segundo o código, é de interesse público o acesso à informação. Mas deve haver precaução na maneira utilizada pelos jornalistas para cumprir o seu papel. Os atos de Dirceu foram suspeitos, mas cabe à Justiça tomar as devidas providências. Pode-se inferir que o cidadão deve ficar informado sobre o que acontece, desde que isso não fira o limite de alguém. E também, apesar das polêmicas e controvérsias, Dirceu é um cidadão no amparo da lei.
Há na reportagem elementos de relevante interesse público que justificam uma profunda investigação jornalística em torno das atividades de Dirceu. A começar pelo fato de ele ser o réu em um processo no qual é acusado de participação para desvio de dinheiro público. Sua atividade política merece fiscalização constante. Afinal, Dirceu, por um lado, parece ter acesso privilegiado a políticos e autoridades e, por outro, presta consultoria para grupos privados (nacionais e internacionais) com interesses bilionários no Executivo e no Legislativo.
Outro artigo que pode ser colocado em discussão é o 4º, do Capítulo II do código, a respeito da conduta profissional do jornalista:
O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, razão pela qual ele deve pautar seu trabalho pela precisa apuração e pela sua correta divulgação.
Câmera e gravador ocultos, ocultação da condição de jornalista, uso de identidade falsa, invasão de privacidade, invasão de residência etc. Argumentos não faltam para afirmar falta de precisão jornalística, se é que pode-se chamar assim, do repórter Gustavo Nogueira.
A pauta de Veja é de interesse público. Mostrar ao leitor que uma figura política supostamente envolvida em escândalos de corrupção ainda tem poderes sobre o alto escalão do governo é importante. De fato, ministros e líderes se encontram com o petista e as visitas geram, no mínimo, curiosidade. Entretanto, os prováveis métodos adotados pela revista e pelo jornalista são questionáveis e não devem ser exemplos para o jornalismo investigativo.