Responsabilidade social da mídia e os grandes eventos esportivos


‖ ‖ ‖ Deborah Teodoro ‖ ‖ ‖

 

Embora considerada uma editoria do jornalismo com ampla cobertura dos meios de comunicação, a área esportiva está impregnada, sobretudo, do status de entretenimento na mídia em geral, com reflexos negativos no âmbito acadêmico. É nítido o preconceito com que a temática é tratada quando levada aos cursos de Comunicação Social, ainda muito reticentes em dispensar a ela a mesma seriedade com que contemplam temas como política, economia, segurança e cultura, por exemplo. Ao fazer vistas grossas à seara esportiva, a imprensa ignora as questões que a envolvem, as quais podem ser consideradas verdadeiras metáforas do que ocorre nas demais esferas da sociedade. Considerada mera distração, não detém atenção enquanto objeto de estudo e crítica, o que representa um desperdício em termos de conteúdo reflexivo.

Não se deve subestimar a capacidade do tema em despertar o interesse do público, tendo em vista os vultosos recursos publicitários dele provenientes num país dominado pela mídia comercial, claramente dependente destas formas de financiamento. Portanto, tratá-lo como um assunto banal incorre em perder uma preciosa chance de abordar questões sociais de maneira leve e atraente, em prol do interesse público.

Excelente oportunidade para começar a reverter este quadro e encarar o esporte sob uma ótica relevante bate à nossa porta personificada nos dois maiores eventos esportivos do planeta: a próxima Copa do Mundo e as Olimpíadas, a serem sediadas pelo Brasil, respectivamente, em 2014 e 2016. Empenhado na preparação para recepcionar estas competições de grande porte, o país passa por transformações em todos os setores, visando adequar sua estrutura às normas impostas pelos organizadores. Muito dinheiro público escoa das mãos do Estado, gerenciador de verbas com tantas prioridades a serem sanadas, para atender as exigências de infra-estrutura estabelecidas pela Fifa. Assim, iniciam-se as obras de construção e reforma, cada vez mais apressadas e menos fiscalizadas, de estádios e centros de treinamento, muitas delas com projetos de revitalização de seu entorno, visando criar um mundo de fantasia para os privilegiados turistas que virão assistir às partidas do megaevento. Enquanto isso, a pobreza que mancha o paisagismo do centro das cidades-sede está sendo expulsa para a periferia.

Com os preparativos para o Mundial de futebol ganhando foco e passando a integrar a agenda noticiosa dos veículos de comunicação, fica nítido que as informações esportivas devem exigir seriedade e rigor por parte da imprensa. Encarar o futebol como algo alienante não só é um desrespeito à inteligência do torcedor como também ignora a função social da cobertura jornalística do pré-Copa.

É inequívoco que a Copa do Mundo se transformou em um rentável negócio que movimenta cifras bilionárias pagas pelo grande público aos poucos organizadores. Logo, oportuno se faz que a imprensa nacional levante e aprofunde as discussões sobre as forças que ofuscam o brilho da arte esportiva, como é o caso dos rumos da profissionalização do futebol. Além disso, é o momento de abordar questões sociais importantes, tais como problemas de saneamento, transportes e educação, de forma a colaborar para a modernização, captação de investimentos e outros atrativos para o país.

Sediar eventos desta natureza funciona como uma vitrine capaz de gerar recursos para setores que transcendem as disputas esportivas, aquecendo a economia e gerando empregos. Entretanto, para que esta vitrine não se transforme numa frágil vidraça, a ponto de evidenciar os problemas e afastar as chances de progresso, é necessário um planejamento pautado por objetivos claros e demandas locais. O Mundial e os Jogos Olímpicos devem ser aproveitados para construir a infra-estrutura ainda pendente e que será proveitosa ao país após a realização destes eventos. Trata-se de uma ocasião em que a imprensa não pode se evadir de seu papel enquanto agente transformador da realidade.

Eis, então, uma brecha para os veículos noticiosos pensarem na produção de informação esportiva qualificada, capaz de aprofundar o valor diagnóstico das notícias, a ponto de gerar reflexão e debate na sociedade. É fato que tanto a Copa do Mundo quanto as Olimpíadas são verdadeiros espetáculos, por sinal, os maiores entre todas as categorias esportivas. No entanto, espetacularizar as notícias sobre estes eventos, cindindo-as entre o show e o caos para satisfazer interesses políticos e comerciais, está distante de um tratamento responsável a ser dispensado pela mídia. Imbuído na defesa dos interesses sociais, o jornalismo deve observar e denunciar cada passo que deixa o povo à margem das decisões, apontando a opressão sofrida pelas camadas historicamente marginalizadas da população. Desta forma, estimula o exercício da cidadania, colaborando para a existência de uma sociedade mais justa e equânime.

Ademais, se levado a sério pelas instituições de comunicação, o esporte terá chances promissoras de ser incorporado ao conteúdo programático dos cursos de Comunicação Social, superando a idéia de que contribui para o conhecimento apenas como uma cultura de almanaque, que proporciona entretenimento e cultura geral, de forma rasa, sem estimular a criticidade das pessoas.