‖ ‖ ‖ Carlo José Napolitano ‖ ‖ ‖
Em 16 de agosto, o Senado Federal aprovou o projeto de lei 116, originário da Câmara dos Deputados, que visa regular a comunicação audiovisual de acesso condicionado. O projeto agora vai à Presidência da República para sanção ou veto. Tudo indica que o projeto será sancionado na íntegra pela presidente Dilma. Mesmo antes da sanção presidencial, já começaram as discussões jurídicas acerca dessa nova regulação. O objetivo deste texto é discutir e apontar algumas dessas questões.
Logo após a aprovação pelo Senado Federal, o Partido Democrata sinalizou a intenção de ajuizar, no Supremo Tribunal Federal, uma ação declaratória de inconstitucionalidade em relação à proposta, caso a Presidência sancione o projeto de lei.
O senador Demóstenes Torres (DEM-GO), líder dos Democratas no Senado, inclusive já se manifestou, via imprensa[1], apresentando alguns argumentos sobre a pretensa inconstitucionalidade do projeto, em especial, no que se refere à reserva de mercado para produtores nacionais e aos poderes atribuídos à Agência Nacional do Cinema – Ancine, para fiscalizar essa reserva de mercado. No primeiro caso, levanta a hipótese que a reserva de mercado contraria o princípio da propriedade privada e, no segundo, alega que a Ancine passaria a exercer as funções dos três Poderes da República. Ainda alega que o apoio ao audiovisual nacional seria um ato de xenofobia e de uniformidade cultural.
Não me parecem razoáveis os argumentos do senador, pois o texto constitucional, em vários momentos, faz reserva de mercado aos brasileiros, protege a produção nacional e autoriza que agência reguladora exerça as funções que serão atribuídas à Ancine. Como exemplos podem ser mencionados os artigos 21, XI, 221 e 222 do texto constitucional.
Em relação à reserva de mercado, é importante relembrar que o texto constitucional, promulgado em 5 de outubro de 1988, era extremamente protetivo aos interesses das empresas nacionais. Como exemplos, podem ser mencionadas as reservas de mercado nos setores de mineração, no aproveitamento de energia hidráulica, nos transportes, na propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão, além da previsão de monopólios estatais, como os setores de petróleo e das telecomunicações.
No entanto, a partir da eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, várias alterações constitucionais foram feitas e resultaram na abertura do mercado e da economia brasileira às empresas e aos investidores estrangeiros.
Dentre outras alterações duas, em especial, podem ser citadas. A Emenda Constitucional n. 8 que abriu o mercado brasileiro no setor de telecomunicações para as empresas privadas, nacionais e estrangeiras, sendo considerada o marco regulador legal que propiciou o processo de privatizações das empresas de telefonia; e a Emenda Constitucional n. 36, que autorizou a participação de capital estrangeiro nas empresas de comunicação social, mantendo-se uma reserva de mercado nesse setor, exigindo-se que pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deve pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos e que estes deverão exercer obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecer o conteúdo da programação.
Diante disso, um dos argumentos contra a proposta de nova regulação do setor de audiovisual não encontram respaldo no texto constitucional.
Em relação ao alegado poder da Ancine, tal argumento também não encontra respaldo constitucional. Inúmeras agências reguladoras foram criadas para justamente regular determinado setor da economia. Como exemplos podem ser citadas, entre outras: a Agência Nacional do Petróleo (ANP), a Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC) e Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). A todas elas a lei atribui o poder de fiscalização de determinado setor da economia. Os únicos setores da economia ainda não regulados são justamente o de imprensa e de televisão, aberta e fechada. Portanto, a atribuição de determinados poderes à Ancine encontra respaldo constitucional, como seria constitucional a proposta de criação de uma Agência Nacional da Comunicação.
No entanto, outros aspectos legais podem ser levantados. Primeiro, o projeto de lei, se aprovado na íntegra, como se espera, autoriza que empresas estrangeiras tenham o controle acionário das empresas prestadoras de serviços de TV fechada. Isso sim afronta o texto constitucional.
Pode-se alegar que legislação infraconstitucional brasileira já fez a dicotomia entre empresas de radiodifusão e empresas prestadoras de serviço de telecomunicação, incluindo nessas as prestadoras de serviço de televisão fechada, e que a reserva de mercado só atinge as primeiras. Essa regra pode ser encontra na lei 8.977/95 e é repetida com outras palavras no Parágrafo Único, do artigo 1º do PLC 116. No entanto, essa divisão feita pela lei infraconstitucional também não encontra respaldo no texto constitucional.
Diante do que foi abordado, conclui-se que a nova lei do setor de audiovisual, em caso de sanção presidencial, será questionada no Supremo Tribunal Federal, pelos Democratas ou por outros interessados e legitimados para a propositura de ação declaratória de inconstitucionalidade, pois argumentos não faltam para a discussão da sua constitucionalidade.
[1] Folha de São Paulo, dia 20 de agosto de 2011. Tendências e Debates, p. A3.