Brasileiro come veneno, segundo campanha e documentário


‖ ‖ ‖ Taís Capelini ‖ ‖ ‖

 

O Brasil pode ser o país que mais consome agrotóxico no mundo, o que significa cerca de 5,2 litros a cada ano por habitante. A triste estatística traz à tona um tema que pode não ser novo, mas permanece obscuro para a maioria da população.

Para debater o uso de agrotóxicos na agricultura brasileira e o envenenamento a partir dos alimentos, o documentarista Silvio Tendler lançou o documentário “O veneno está na mesa”. O filme é fruto da Campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida, da qual fazem parte diversas entidades e movimentos sociais, que denunciam o atual modelo de desenvolvimento agrário do país.

Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, Tendler afirma que “o mundo está sendo completamente intoxicado por uma indústria absolutamente desnecessária e gananciosa, cujo único objetivo realmente é ganhar dinheiro. Quer dizer, não tem nenhum sentido para a humanidade que justifique isso que está se fazendo com os seres humanos e a própria terra. A partir daí resolvi trabalhar essa questão. (…) Por que se plantou no Brasil esse modelo que expulsa as pessoas da terra para concentrar a propriedade rural em poucas mãos, esse modelo de desenvolvimento, todo ele mecanizado, industrializado, desempregando mão de obra para que algumas pessoas tenham um lucro absurdo? E tudo está vinculado à exploração predatória da terra. Por que nós temos que desenvolver o mundo, a terra, o Brasil em função do lucro e não dos direitos do homem e da natureza? Essas são as questões que quero discutir”.

Sabemos que esse modelo perverso — monocultor extensivo e concentrador de terras — firmou-se desde os primórdios da história do país e tem sido reafirmado pelas políticas de desenvolvimento em curso. Um exemplo é a implantação, em meados de 1970, do Plano Nacional de Defensivos Agrícolas, que exige a compra obrigatória de agrotóxicos para conceder crédito aos agricultores. Ou seja, o banco só financia a agricultura com agrotóxico, pois entende que seu uso é garantia de produtividade. No filme, o camponês Adonai relata o dia em que o inspetor do banco foi à plantação verificar se ele comprou semente transgênica, herbicida, fertilizantes etc.

A quantidade de danos é enorme. A utilização de agrotóxicos traz graves problemas para a saúde do trabalhador rural, que fica exposto a situações de risco e sujeito à contaminação e ao adoecimento pelo contato com os produtos químicos. Como são os casos, mostrados no filme, do Vanderlei, que depois de anos trabalhando no agronegócio faleceu por conta de uma hepatopatia grave e de uma mulher de 32 anos que está ficando totalmente paralítica por conta do trabalho com agrotóxico na lavoura do fumo.

Também são contaminados aqueles que consomem os produtos provenientes desse tipo de cultivo. O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), criado pela Anvisa em 2001, detecta a presença de agrotóxicos proibidos em diversas culturas analisadas, que constituem produtos que chegam diretamente à mesa do consumidor. O trigo, por exemplo, recebe cargas enormes de pulverizador e chega ao nosso prato através de macarrão, pizza e pão. Ou seja, estamos comendo veneno sem nos darmos conta disso.

O meio ambiente também é seriamente prejudicado. O agrotóxico pode permanecer no ambiente por longos períodos, contaminando ecossistemas inteiros, podendo prejudicar a qualidade do ar, da água e do solo. É um ciclo vicioso: o uso de agrotóxicos afeta a produtividade do solo, que prejudica as plantações, tornando-as mais vulneráveis às pragas e doenças, fazendo com que se utilizem fertilizantes químicos e mais agrotóxicos.

Tendler é categórico: “Acho que está na hora de mostrar que muitas vidas não seriam sacrificadas se a gente partisse para um modelo de agricultura mais humano, mais baseado nos insumos naturais, no manejo da terra, ao invés de intoxicar com veneno os rios, os lagos, os açudes, as pessoas, as crianças que vivem em volta, entendeu?” Entendemos.

Mas por que essas questões são sistematicamente ignoradas? É imprescindível lembrar que existe alternativa. A produção orgânica é tecnicamente viável para alimentar toda a população do país. No entanto, continua-se investindo num modelo falho e altamente prejudicial. Além disso, o argumento econômico, que se baseia no baixo custo de produção com a utilização de agrotóxicos, é fragmentado, visto que não leva em conta os custos para o ambiente e para a saúde pública. Até quando vamos aceitar a tal “produção barata” em nome do câncer, de intoxicações agudas e de danos para todo meio ambiente?

O problema é grave, mas informações a respeito são omitidas para grande parte da população, que têm sua saúde prejudicada em nome dos lucros de grandes empresas.  Resta saber qual o papel dos governos e dos meios de comunicação para dar visibilidade a essas questões: vamos continuar engolindo veneno como se fosse mel?