‖ ‖ ‖ Marina Mazzini Rodrigues ‖ ‖ ‖
Em 26 de maio de 2011, a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) aprovou seu programa permanente de autorregulamentação, centrado em um manual que abrange cinco dimensões: reconhecimento e publicação de erros; canais de atendimento aos leitores; publicação de cartas/e-mails dos leitores; fóruns de análise crítica; e processos de relacionamento com os leitores.
Há exposições de casos pela mídia que não são de interesse público. É difícil chegar a um consenso do que é o interesse público, mas muitas coberturas fogem do que deveria ser chamado de responsabilidade social exercida pela mídia.
A educação pela mídia (media literacy) é uma forma de orientar as pessoas a observar a cobertura de diversos meios, principalmente a televisão, com aspecto crítico, ou seja, saber diferenciar programas de entretenimento dos de informação e uma reportagem jornalística das opiniões dos fatos. Livingstone e Thumin (2003, p. 6) afirmam que há cinco características que tornam um indivíduo completamente alfabetizado para a mídia: 1) a separação do fato de ficção; 2) entender que há publicidade por trás da produção; 3) saber as diferenças entre uma reportagem e a defesa de pontos de vista; 4) perceber a lógica da produção jornalística, em exposição de fatos econômicos, sociais e culturais; 5) e saber fundamentar o porquê da escolha de programas e veículos de comunicação, tendo embasamento crítico. Com essas percepções, um indivíduo está munido para cobrar da mídia sua função social, mas, no Brasil, tal alfabetização é complexa porque a regulamentação não é clara e rígida o suficiente para exigir dos veículos de comunicação a responsabilidade social.
As regras a serem seguidas pelos veículos podem ser estabelecidas pelo governo ou pelas próprias empresas de comunicação. No Reino Unido, por exemplo, quem regula a mídia é o Ofcom (Office of Comunications), que se preocupa com o conteúdo veiculado nas emissoras, com a cidadania e a democratização dos meios e da informação. Há multas e punições para quem exibe ofensa ao menor, humilhação, violência sexual e linguagem discriminatória, entre outras características consideradas ofensivas e que não contribuem para a pluralidade de informações à sociedade. Na Inglaterra, a publicidade também é limitada. Em programas para menores de 18 anos, por exemplo, é proibido o patrocínio de empresas de jogos. Não podem ser mostrados logotipos e marcas dentro dos programas, algo que no Brasil é muito comum nas novelas, o chamado merchandising.
Vácuo legal
A falta de leis que regulamentem as empresas de comunicação resulta em monopólio de veículos no Brasil. Muitos canais que tem a concessão pública de radiodifusão são de políticos. A configuração da mídia não é democrática e plural.
Por causa dos vestígios deixados pela ditadura militar, a regulação da mídia é, por vezes, tida como censura no Brasil, mas regular é estabelecer parâmetros pautados no interesse público, não impedir a liberdade de expressão da mídia. É tentar aumentar o nível da comunicação, não impedir de comunicar.
Em 2008, a UNESCO publicou um manual intitulado “Indicadores de desenvolvimento da mídia: marco para a avaliação do desenvolvimento dos meios de comunicação”, organizado pelo IPDC (Programa Internacional para o Desenvolvimento da Comunicação) com o objetivo de contribuir para o aperfeiçoamento da mídia, de forma a fundamentar um diagnóstico independente. O documento detalha cinco indicadores, sobre temas como a atuação de um “sistema regulatório favorável à liberdade de expressão, ao pluralismo e à diversidade da mídia”. Nesse indicador, são elencados quatro aspectos essenciais.
O primeiro é o marco jurídico e político, sobre leis a respeito de liberdade de expressão. Em países com culturas de sigilo, corrupção, falta de conhecimento e técnica em administração pública, a liberdade de expressão não é cumprida. Para o marco jurídico vigorar, há de existir uma população capaz de exigir seus direitos.
O segundo é o ponto principal para esta análise, pois se trata do sistema regulatório para a radiodifusão. Nessa parte fica claro que um consistente sistema regulatório é necessário para proteger o interesse público. Os órgãos devem ser independentes de quaisquer interferências políticas e empresariais. Suas funções e poderes devem ser estabelecidos por lei, assim como a seleção de seus membros deve ser transparente e democrática. Esses órgãos também devem prestar contas à população. O sistema regulador precisa assegurar a justiça e a pluralidade na radiodifusão.
Os outros aspectos são relativos a difamação, restrições legais impostas aos jornalistas e censura, mas não é possível explicitá-los dentro do limite deste texto.
Regulamentação
A autorregulamentação dos jornais e dos órgãos de imprensa é uma forma de tornar evidente a ética nas redações, que, para ser efetivada, depende também da cultura local, pois os profissionais precisam saber receber críticas e sugestões públicas. Os órgãos de imprensa devem produzir um modelo a ser seguido e respeitado nas redações, levando em comum acordo a todos os interessados: editoras, jornalistas, público e proprietários. Não há um modelo internacional para isso, mas é preferível que a autorregulamentação tenha apoio internacional. É preciso tomar cuidado para que a autorregulamentação não fique somente como uma seção de reclamações.
Para um bom modelo, os órgãos de imprensa devem ter claros códigos de ética e orientações editoriais e os órgãos que fiscalizam devem ser independentes do governo, livres de partidarismos e interesses comerciais.
O programa permanente de autorregulamentação da ANJ é positivo porque segue em parte as indicações da UNESCO. Mas é preciso saber se as empresas vão adotá-lo em suas práticas de trabalho.
O primeiro dos tópicos focados pelo manual na ANJ, reconhecimento e publicação de erros, já é comum. Já os canais de atendimento ao leitor servem como acesso à área editorial. É recomendado pela ANJ que os jornais tenham uma norma pública para as respostas às réplicas e a resposta às perguntas deve ter um prazo máximo a ser enviada.
Publicar cartas e e-mails enviados pelos leitores também é comum em grandes jornais. Em casos de temas polêmicos é importante que sejam indicadas as proporções enviadas a favor ou contra o tema.
Os fóruns de análise crítica são compostos pela figura do ombudsman, pelo conselho editorial e pelo conselho de leitores. O ombudsman, responsável por escrever como porta-voz do leitor, deve ter dedicação exclusiva às análises e estabilidade na função. O conselho editorial é um grupo de cidadãos responsáveis pela linha editorial do jornal que devem refletir interesses da sociedade e fazer reuniões periódicas para avaliar publicamente o posicionamento do jornal diante da redação. E o conselho de leitores se reúne com editores e profissionais da redação para apresentar críticas em relação ao conteúdo do jornal.
Os processos de relacionamento com os leitores são compostos por códigos, manuais ou guias de ética que estabelecem decisões práticas, como a utilização de imagens e offs para jornalistas.
Parâmetros e referências
Os jornais associados à ANJ devem seguir os critérios estabelecidos no manual de autorregulamentação, como destacar sua independência, garantir a liberdade de expressão, a preservação e o sigilo das fontes, a exposição de diferentes visões de um fato e a diferenciação para os leitores do material editorial em relação ao publicitário.
Os Indicadores de Desenvolvimento da Mídia da UNESCO também trazem referências para os jornais. Há muitas redações que se preocupam com a democracia e pluralidade em informações, como indica o estudo de Rothberg (2010). Há muitos jornalistas que tem conhecimento sobre efetivas melhoras para a qualidade da comunicação brasileira, como ter responsabilidade social, mas o problema é que muitos veículos ainda não sabem ou não querem apontar melhoras nesse sentido.
E, se pensarmos sobre a mídia brasileira no âmbito da regulação, percebemos que o Brasil ainda tem amarras, mas também tem grandes instituições capazes e dispostas a produzir informação com maior qualidade, responsabilidade social e compromisso com o público. Além disso, a digitalização das transmissões de rádio e tv e as transmissões via web precisam de novos formatos de regulação para exercer um jornalismo qualitativo ao público. É a comunicação que indica o cenário da política, da democracia e do compromisso social dos cidadãos.
Referências
LIVINGSTONE, S. ; THUMIN, N. Assessing the media literacy: a review of the academic literature. Reino Unido, Broadcasting Standards Comisson, Independent Television Comission, 2003.
ROTHBERG, D. Jornalistas e suas visões sobre qualidade: Teoria e pesquisa no contexto dos ‘Indicadores de Desenvolvimento da Mídia’ da UNESCO. Brasília: UNESCO, 2010.