‖ ‖ ‖ Murilo César Soares ‖ ‖ ‖
A nova legislação da TV por assinatura, aprovada na semana passada pelo Senado, deve ser sancionada pela presidente Dilma brevemente, acredita-se que sem alterações. O que se percebe, lendo a imprensa e a Internet, é que se criou um inexplicável clima ufanista de comemoração em torno da nova lei. Parece que todos estão contentes. O que o cidadão brasileiro deve se perguntar neste momento é: a lei é boa, atende ao interesse público, contribui para nossa cultura?
Primeiro, vamos repassar os principais pontos de mudança:
1) as empresas de telefonia (a maioria estrangeiras) estão autorizadas a distribuir pacotes de TV por assinatura, embora não possam produzir programas;
2) há uma reserva de mercado para programas audiovisuais brasileiros, por meio da obrigatoriedade de três horas e meia de programação por semana, durante 12 anos (e depois?);
3) empresas de radiodifusão podem ser proprietárias de até 50% das distribuidoras de TV a cabo (por exemplo, a Rede Globo vai continuar proprietária de metade da NET, como hoje) e as teles podem deter até 30% das empresas de radiodifusão.
Como se pode ver, depois da telefonia, trata-se da desnacionalização total da operação da TV paga, algo nunca antes praticado na História do Brasil. Isso é muito preocupante, por ser um serviço estratégico e historicamente sempre reservado a brasileiros, por razões políticas e de soberania. Mas, em seguida, vem a ridícula reserva de mercado que, teoricamente, deveria contrabalançar o fato de a programação da TV por assinatura ser majoritariamente formada por enxurradas de séries, filmes e desenhos animados, produzidos pela indústria cultural norte-americana. Inexplicavelmente, é uma reserva de mercado que se extingue daqui a 12 anos, quando, pela lógica, deveria ser o contrário: ao longo do tempo, deveria se prever o aumento da participação de programas brasileiros nas TVs por assinatura. Ou seja, a legislação brasileira se preocupou com o futuro da indústria cultural norte-americana, não com o futuro da nossa cultura e dos nossos produtores culturais.
O jornalista Nelson de Sá escreveu que, após, a votação, a Rede Bandeirantes, prejudicada pela lei, acusou o ministro das Comunicações e os parlamentares de permitirem “a invasão do galinheiro pelas raposas” e que as teles “derramaram milhões durante a campanha” (Folha de S. Paulo, 18/08/2011, p. B4). Outro autor perguntou: “Que vantagem há em substituir o monopólio da Globo por um monopólio estrangeiro, isto é, um monopólio sobre o qual o país e o povo têm ainda menos possibilidade de controle?” (LOPES, http://midiacrucis.wordpress.com).
Não vamos agora perguntar porque foi aprovada uma lei tão entreguista, em detrimento do interesse nacional, da cultura brasileira, do nosso audiovisual, dos nossos empregos na área de comunicação. Seria uma pergunta indelicada, pois para respondê-la teríamos que entrar em assuntos desagradáveis, que não dizem respeito ao povo, como grandes interesses econômicos, políticos, eleitorais, garantia de grupos no controle da comunicação, a força dos grupos de pressão, oportunismo e dinheiro. Não há nacionalismo que resista a essa avalanche, por mais bem-intencionado que seja. E o nacionalismo parece hoje uma coisa fora de moda neste tão globalizado.
A nosso ver, apesar das comemorações, não houve avanço na democratização da comunicação no Brasil, pelo contrário. Por outro lado, não houve realmente um aumento da competitividade, só porque a NET deixa de ser a maior empresa do setor de TV por assinatura. Os novos atores são dez vezes maiores. A concentração do mercado foi brutal, nas mãos das teles, praticamente eliminando a possibilidade de entrada de outras empresas nessa atividade.
Responder à pergunta do título deste artigo, portanto, é fácil. Ganham os grandes grupos econômicos internacionais que já dominam as telecomunicações e que poderão expandir seus negócios para a distribuição de TV paga em todo território nacional, um mercado gigantesco e praticamente inexplorado. Perde a cultura brasileira, que vê uma reserva de mercado tão pequena para sua produção que, na verdade, é uma reserva de mercado para os produtos norte-americanos. Perdem, também, os usuários brasileiros, que ficarão na dependência de oligopólios formados por grupos gigantescos, cujo poder de decisão está nas matrizes no exterior (para as quais pouco importa o nosso destino). É no exterior também onde também ficarão os proprietários desses negócios bilionários e para onde irão todos os lucros e dividendos das operações no Brasil.
Nota do editor: leia mais sobre o assunto em
Como o monopólio das teles vai estimular a concorrência e a cultura nacional na TV paga